domingo, 9 de junho de 2013

A elegância do ouriço



 Foi buscando algo que saciasse meu jovem e voraz apetite pela literatura que tivemos nosso primeiro encontro. Garimpando uma prateleira recheada de obras interessantes, e que nos últimos tempos serve-me com a presteza de um prendado garçom, tive minha atenção a um título sagaz: a elegância do ouriço. Tomado pela estranheza do nome e curiosidade de destrinchar suas páginas, tomei-o sob o braço e pus-me a caminho de casa para iniciar o minucioso processo de dissecação que me parecia digno àquela obra.
   
   E assim adentrei na criação de Muriel Barbery. Com um preâmbulo intitulado Marx, mostra a densidade do que está por vir exibindo um diálogo pífio nutrido por uma densa reflexão filosófica, carregada de um vocabulário catedrático, enfervescendo em nosso personagem como um vulcão prestes a entrar em erupcão.   Extasiado pela continuação dos fatos, busco a companhia de um dicionário para dar sequencia à minha leitura. Devidamente munido, ouso prosseguir.

   Tudo se passa em um bairro nobre de Paris, mas especificamente em um prédio, onde a autora consegue reunir personagens peculiares, que jamais seriam imaginados ocupando o mesmo espaço físico. Mas os pontos fulcrais são sra. Michel, a zeladora do prédio, e Paloma, uma joia rara camuflada sob a carapaça de uma criança de 12 anos. As duas - cada uma em seu mundo - conduzem de forma peculiar toda a trama. E suas singularidades são apresentadas aos primeiros pensamentos transcritos.

   Sra. Michel, uma concierge de meia idade, esconde-se em seu quarto de concierge, reduzindo-se à insignificância que a nobre sociedade francesa espera de sua espécie. E deixa claro estar ciente de seu papel e como interpretá-lo. Porém guarda pra si uma inteligência sublime, fortificada ao longo de seus anos de clausura por literatura densa e desfrute de filmes e artes diversas. Nomeia-se "colecionadora de bibliotecas" e, como uma traça, devora acervos a muito esquecidos por aqueles que a cercam. E por isso, de uma bagagem cultural impressionante, expressa em pensamentos a mediocridade daqueles que a cercam, o quão vazio estão em seus interiores e, reféns de uma cadeia nociva de costumes rasos, acabam cegos em suas próprias verdades.

   Paloma, caçula de uma rica família residente no mesmo prédio, também desempenha seu papel na sociedade. Descobrindo logo cedo ser "um gênio", opta por ocultar-se, evitando assim ter todas as atenções voltadas à sua pessoa. Com maestria conduz sua vida acadêmica como número 2 da sala, mantendo sempre a número em seu radar para saber como e onde crianças normais errariam. Assim ludibria todos aqueles que a cercam, permanecendo no mais das horas presa em pensamentos, relatados em seus dos diários, onde nutre repúdio por toda a família e os de seu convívio, o que a leva a marcar sua data de morte para alguns dias adiante.

   E assim, como pêndulos, esses dois seres imaculados desempenham bravamente seus papéis, oferecendo ao mundo o que é esperado e, ao adentrarem em suas cápsulas, fornecem àqueles que as acompanham por entre as linhas discorridas um prazer indescritível. Enquanto me perco no submundo de suas mentes, acabo eu mesmo entrando em um universo paralelo e acabo eu mesmo interpretando um papel. Entorpecido pela profundidade da narrativa, cumpro as obrigações que de mim são esperadas e me tranco em busca da prazerosa sequencia dos fatos.

   Sra. Michel, a concierge, mostra-se amante e conhecedora dos romances russos, especialmente Leon Tolstoi e sua obra "Ana Karenina". Desconhecedor da causa, sua traído por minha ignorância e, ao visualizar apenas um frio sibérico vindo do oriente, sou apresentado a grandeza de uma conclusão fruto de um trecho da supracitada obra. Primeiro narrando um aristocrata que, para esquecer sua amada, vai ceifar com seus camponeses. Porém, como não lhe pertence tal labor, cede ao cansaço, mas é salvo pelo velho líder do bando que ordena folga. Retoma-se o trabalho e, mais uma vez, Levin desaba, o velho homem concede outra folga aos homens. Então, "ao sabor das paradas e retomadas...ele libera seus movimentos do entrave de sua vontade, entra no leve transe que dá aos gestos a perfeição dos atos mecânicos e conscientes, sem reflexão nem cálculo, e a foice parece manejada por si só, enquanto Levin se delicia com esse esquecimento no gesto, o que torna o prazer de fazer maravilhosamente alheio aos esforços da vontade". Espetacular! Leio isso com a felicidade de quem acaba de descobrir um grande tesouro. Mas as surpresas na cessam e, na mesma toada, Renné faz uso de mais um trecho da obra, sobre o ardiloso Riabinin, negociante de bosques, dos quais tiram conclusões apressadas pela aparência e pela posição, sobre sua inteligência. Despoja os senhores que o desprezam, mas não sabem freá-lo. E assim nossa concierge explica sua própria existência.

   Sinto o peso de tais palavras como se algo fixasse meus pés ao chão e, aproveitando o momento, reflito sobre o triste hábito que temos de julgar pela aparência. Crescidos sobre ditos como "a primeira impressão é a que fica", vejo cercado por pecados que talvez não possa ser perdoados, porém ainda podem deixar de serem praticados. Um copo d'água para ajudar a descer a culpa e prossigo com a leitura.

  Uma sequência de ocorridos traz ao prédio um novo morador, Sr. Ozu Kakuro. Com a sutileza apaixonante do povo japonês, esse senhor consegue causar o caos em todo o edifício apenas com uma singela reverência. Aos mundanos, o interesse pela figura, sua reforma no apartamento, sua fortuna. Porém uma congruência entre o velho oriental e as duas preciosidades da obra faz com que se tenham suas vidas (ou suas "bolhas") acopladas tal qual pequenas gotículas de água sobre um pano impermeável: mantém sua singularidades, mas, à menor aproximação, aglutinam-se dando forma a um novo corpo. Ali cada unidade foi preservada sob uma nova aparência.

   A paixão por Tolstoi revela-se uma deliciosa concordância entre Ozu e Renné. A pequena Paloma, fizarda em permanecer presa com Ozu no elevador, revela-se peculiar, travando um diálogo com o mesmo que resulta em um perfil traçado por eles sobre sra. Michel e que, para mim, vem para dar sentido ao meu fascínio inicial: "A sra. Michel tem a elegância de um ouriço: por fora é crivada de espinhos, uma verdadeira fortaleza, mas tenho a intuição de que dentro é tão simplesmente requintada quanto os ouriços, que são uns bichinhos falsamente indolentes, ferozmente solitários e terrivelmente elegantes". Mais uma vez sou refém de meus "pré-conceitos": vejo beleza onde antes só via espinhos.

   E assim, aquela que antes vivia enclausurada em seu cômodo, presa a seus livros e pensamentos, a pré-adolescente superdotada que planejava se matar e incendiar seu apartamento para tirar de sua família a futilidade que os mantém vivos, regidas por um senhor oriental de boa índole,  vêem sentido para suas vidas e, como nunca haviam feito antes, conseguem ser elas mesmas e sentem-se amparadas e compreendidas. Cada uma, em pensamento, relatam a singular importância que a outra tem em tal graça.

   E então, como uma tempestade de verão que chega repentinamente, aquilo que era dia, torna-se noite, uma catástrofe muda o rumo da obra e, quando menos esperamos, nos vemos dentro de uma eloquente reflexão sobre a morte. Primeiro a abordagem sobre revermos toda a vida no último instante. Uma perda dos sentidos sensoriais, um mergulho profundo no interior da alma e começa-se a reciclagem de rostos que, de alguma forma, realmente importam serem lembrados. Então a visualização de alguém que já havia partido remete a um pensamente oportuno: em um processo de despedida daqueles que nos cercam, trazer alguém do mundo dos mortos para despedir-se é como ter que matá-lo novamente. "Portanto, no sofrimento que sentíamos, não basta os outros se afastarem; também é preciso matar os que não mais subsistem senão por nós". Perco-me em pensamentos...

   Então remete-se a uma questão levantada anteriormente: o que importa não é morrer, mas o que se está fazendo no momento de morrer. Como um tiro de misericórdia,  a passagem de uma vida para outra é feita com profundidade: "O que fazia? Tinha encontrado o outro, e estava pronta para amar. Depois de cinquenta e quatro anos de deserto afetivo e moral, depois de cinquenta e quatro anos de clandestinidade e de triunfos mudos no interior acolchoado de um espírito isolado, depois de cinquenta e quatro anos de ódio por um mundo e uma casta que eu transformara em exutórios de minhas fúteis frustrações, depois desses cinquenta e quatro anos de nada...". "É como se as notas da música fizessem uma espécie de parênteses no tempo, de suspensão, um alhures aqui mesmo, um sempre no nunca. Sim, é isso, um sempre no nunca".

   Aquilo que a alguns dias vem ocupando meu tempo, proporcionando-me prazeres imensuráveis, agora me expõe. Sem conseguir conter-me, folheio as últimas paginas do livro submerso em lágrimas. Começo a ver sentido em tamanha afinidade com o mesmo. Sinto-me como se estivesse em um espelho a observar toda aquela conjuntura de fatos que soam tão íntimos. Desde o início identifico-me com o confinamento, a restrição ao social, aos poucos amigos bem vividos, aos julgamentos precipitados, à opção de preencher-me sem necessariamente ter que apresentar-me ao mundo. Talvez não seja digno de ter a elegância descrita de um ouriço, mas visto perfeitamente a carapaça de espinhos.

   Com a mesma euforia que devorava cada página, crescia em mim a vontade de compartilhar esse livro com uma pessoa em especial, alguém que nutre uma paixão pela literatura, que apresentou Fernando Pessoa aos seus, e que durante algum tempo dividíamos livros e boas prosas. Não sei se ainda paira por aqui, mas sinto-me obrigado a oferecer algo tão belo e grandioso a alguém que saberá desfrutar pacientemente os prazeres ali presentes. Certo que ninguém faz a menor ideia de quem seja (exceto a mesma, talvez!!!), encerro esse extenso texto com tal compromisso e uma última citação: "Se quiser se cuidar, cuide dos outros; e sorria ou chore por essa feliz reviravolta do destino".


domingo, 2 de junho de 2013

Epílogo


A largada está marcada para o domingo às 7 horas, mas o choque de realidade ocorre no sábado anterior. Eis o dia do check in da bike, onde todos os atletas trazem suas magrelas para a zona de transição, juntamente com todo o equipamento que usarão ao longo do grande dia. Ali se faz as últimas checagens, regula-se a marcha de partida da bike, prende-se a sapatilha à bike, joga-se uma capa sobre aquela que o conduzirá e ali, sem sentimentalismo, a abandonamos ao sereno, aguardando-nos pelas próximas 12 horas. Sacolas penduradas no respectivo lugar, pintura do corpo devidamente realizada, agora é hora de voltar para casa e tentar descansar um pouco até a largada.
Então, às 3:30 da manhã, o despertador toca. “It’s a beautiful Day”. Não existe humor a essa hora e a música soa como piada Tento me libertar dos maus pensamentos e entrar no clima. Aceito a melodia e saio do quarto com o bom humor digno de quem vai se jogar na linha de frente de uma guerra. Acordo os demais membros da trupe e começamos os preparativos para rumarmos para Jurerê. E é a melhor coisa que faço, pois encontro Dedé cheio de risos, Marcinho tão resmungão por conta dos roncos incessantes de Zoin e o próprio ainda sem entender o por quê de tantos hostilidade por parte do coach. E nesse clima tomamos nosso café da manhã e as 4:10 já estamos na estrada.
Chegamos pouco antes das 5 da manhã e, sem muita pressa, deslocamos por entre as ruas em busca da zona de transição. E aqui a coisa toma uma dimensão maravilhosa: um frio congelante ressoa pela manhã ainda por vir, a Lua reina solitária como maior fonte luminosa e, mesmo com tudo a favor de um belo sono envolto em edredons macios, nos vemos cercados de atletas, seguidos por familiares e amigos, todos em procissão, com seus devidos rituais, acompanhando seus heróis rumo à largada. A grandeza de um Ironman se faz presente nas primeiras horas do dia onde podemos ver que aquilo pertence a muito mais que os 2000 inscritos. Por muitos meses a rotina Ironman fez-se presente na vida de todos que ali peregrinam. É chegada a grande hora de saborear o momento, como o primeiro trago em um velho scotch envelhecido por longos anos.
E assim entramos na zona de transição para trocarmos de roupa, checarmos as bikes, colocarmos as provisões que trouxemos no dia, resolvermos problemas gastrointestinais, retocar a vaselina por todo o corpo e voltarmos à rua. É o momento Clark Kent, onde entramos pequenos mortais por um lado da tenda e saímos na outra extremidade fardados, trajando roupas de borracha que parece-nos armaduras, com os números cravejados nos braços, exibidos com orgulho ao longo do caminho. Nos juntamos aos que ali nos esperam e iniciamos a caminhada rumo à praia.
Desde o primeiro Iron tenho nesse momento a justificativa de toda a preparação, o dinheiro investido, as noitadas recusadas e as manhãs de sábado dedicadas ao ciclismo. Ser recepcionado por um céu enrubrescido, como se estivesse envergonhado por tantos admiradores, ainda banhados pela luz do luar, é impagável. O momento sereno se repete e todos marchamos calmamente rumo ao portão de entrada. Hora para confraternizarmos, trocarmos boas energias com aqueles que nos apoiaram até ali, últimas fotos, atletas na zona de largada, agora é esperar. Me junto ao Muru (Murilo Barizon) e, repentinamente, surge o Felipe (Luiz Felipe). Ficamos juntos, conversando, desejando boa prova um ao outro.  Passa Eduardo Mariutti, Mestre Orival (dessa vez trajando meias!!!!). Ali onde todos estão parecendo pingüins a beira do abate, com suas tocas cor de pele (horríveis diga-se de passagem!!), a emoção transcende a normalidade. Parece exalada por cada poro da pele de cada atleta. Cada um, à sua maneira, parece viver intensamente aquele momento. Aproveito para desejar boa prova ao Santiago Ascenso. E em perfeita sincronia, assim que o Sol salta por detrás da montanha em auto mar, a buzina soa estridentemente. Todos iniciam sua corrida rumo a água, se benzem e se jogam de ponta. Está dada a largada do Ironman 2013.
Prefiro sair um pouco atrás, podendo assim visualizar a linha que os que vão à frente estão traçando. Inicio minha fase aquática de uma forma consistente, tentando puxar um pouco o ritmo a fim de contornar a primeira bóia com um grupo de nadadores com o mesmo ritmo que eu. E o plano parece fluir bem, mas quando chegamos à primeira bóia, a situação complica: seres irracionais se amontoam, como se fosse obrigatório raspar o ombro na bóia para dar continuidade à prova. Evito tudo aquilo, acho uma brecha na muvuca e tangencio a rota, abrindo minha volta e conseguindo nadar sem transtornos. Faço o segundo contorno, direciono o ponto de chegada da primeira perna na areia e me vou.
Parecia tudo muito confortável, nadando fácil, lembrando das instruções passadas pelo Samir no ano anterior: “nade alongando, mas se sentir que não está progredindo, acelere a braçada”. E assim eu fiz. Conseguia imprimir um ritmo aceitável, mas então começaram os problemas. Alguns nadadores, sem a menor noção de navegação, se amontoavam a minha frente, como se estivessem ziguezagueando em alto-mar. Era impossível prosseguir. Obrigavam-me a parar, traçar uma nova rota e continuar. E assim, sucessivamente, tais criaturas surgiam e a natação era interrompida e retomada. Optei por nadar à direita da chegada e pude, enfim, obter caminho livre, apertei o ritmo e pude observar o quanto de toucas cor de nada ia deixando para trás.
Pisei na areia inteiro, sem cansaço aparente e, ao invés da tradicional corridinha, caminhei. Queria lavar a boca, soltar um pouco e voltar firme. Com 1 minuto e 47 segundos de terra, fixei minha segunda bóia, a linha que seguiria e parti. A segunda perna da natação cai como um segundo copo de cerveja: o primeiro é cheio de tensão, vem para matar a sede, passa quase despercebido, mas o segundo é degustado, cheio de prazer, já sem maiores preocupações. Sabia o ritmo que imprimiria, puxava forte e, como não consigo ficar pegando esteira de ninguém (pois aquelas bolhinhas de ar que vêm na cara me deixam louco!!!), vou de cara limpa. Azar o meu, pois alguns estavam confortavelmente instalados no corredor que se formava atrás de mim. Sem muito trabalho fizemos o segundo contorno e rumamos para a transição. Lembro-me do ano anterior e de como ria ao ver a píer da chegada. Não estava em êxtase, mas ainda assim contente por poder pisar em terra firme. Agora a brincadeira começava a ficar séria.
Ironman é um negócio muito louco, sério! Você fica tendo picos de sentimentos ao longo do dia, por mais antagônicos que sejam. Ao sair da água a sensação é de alegria por ter vencido a primeira etapa. Tira a roupa de borracha e corre todo pimpão pela zona de transição. Então lembra que 180 quilômetros o esperam do lado de fora e então remete aos tempos de colégio quando os meninos mais velhos te juravam para depois da aula. Só que aqui não tem diretora nem mamãe para te buscar. É colocar o capacete e partir pra batalha. Fomos.
Com pouco tempo de treino e uma bike aquém do que havia feito no ano anterior, sabia que meu tempo no ciclismo ia piorar, mas tinha certeza que a entregaria em condições de correr os 42 quilômetros seguintes. Parti para a primeira volta de 90 km. Com um percurso muito favorável, vários atletas cometem o erro de imprimir um ritmo acima do que treinaram. Fazem seu melhor pedal da vida e passam os 42 km caminhando e contando aos outros o seu feito. Sabia que 30 km/h era meu limite. Em trechos de vento contra (e eram muuuitos) a velocidade era muito baixa. Então, quando o tinha a favor, sentava a bota e assim conseguia um equilíbrio. Fechei a primeira volta com 29.8 de média. Se tudo continuasse assim, meu tempo seria até aceitável.
Mas estamos falando de ironman e aqui só acaba quando termina. Literalmente! E na segunda volta alguém resolveu ligar o ventilador no máximo e colocou pra girar. Não tinha direção para onde se pedalasse que uma rajada de vento não criasse empecilhos. Comecei a pensar que talvez fosse melhor correr com a bike a pedalar. Era tão ridículo que em alguns trechos clipava para obter 17km/h. Comecei a ver o pedal ruim ir por saco de vez. Mas não estava disposto a fazer força e estragar a corrida. Aceitei a frágil posição em que me encontrava e toquei em frente.
Até que, faltando um pouco menos de 20 km, o Felipe me passou. Aquilo deu uma reanimada. Senti-me novamente nos tempos de Mogi e por que não uma perseguiçãozinha. Esperei o último retorno, pois sabia que a volta era quase toda plana, e imprimi um ritmo alucinante. Com o queixo praticamente no guidão, acima dos 40 km/h, peguei a pista da esquerda e danei a ultrapassar que quer que fosse!! E nessa ficou Felipe também!! Como sabia que ele não alteraria muito seu ritmo, pois tinha toda a prova planejada, aproveitei para segurar o máximo que conseguia naquele ritmo. Mas já nos últimos 5 km já não respondia mais aos estímulos e o jeito foi subir a postura e pedalar solto até a transição. Estávamos muito perto. Agora era soltar a perna e partir para a corrida. Vi que tinha subido muito meu pedal (ao final 6:23) em relação ao ano anterior, mas ao menos saía para correr sem maiores problemas.
Feita a transição, pausa pro xixi, saí para correr e vi que o Felipe já corria a minha frente. Cheguei junto e perguntei para quanto pensava em correr. Respondeu que faria num pace de 6 minutos por km. Pareceu-me ótimo, pois não poderia fazer muito mais que isso e ainda correria às cegas caso partisse sozinho. Mantive-me junto a ele ao longo da primeira volta (de 21 km ). Ele corria como uma máquina, sem titubear, nada de variações no ritmo. Eu já prefiro intercalar meus estímulos para manter o corpo “acordado”. Com isso afastávamos e reagrupávamos ao longo do percurso. Chegada a grande subida de Canasvieiras, todos caminham! Descida todo santo ajuda – hora de correr-. Fizemos o retorno dos 13 km e caminhei um pouco para soltar a perna, comer uns quitutes (750 doletas – tem que comer de tudo !!!!) e ele partiu. Corri mais um pouco, subida da volta só caminhando, descida correndo e então chegasse à reta final. Vixe, como eu gosto daquela esquina!!! Perninha fica leve!!! Apertei o passo e fui. Pela primeira vez via realmente a galera que estava por ali torcendo por nós, dei uma descontraída e fui buscar minha braçadeira da primeira volta.
Feito o retorno, reencontrei o Felipe e retomamos o passo. Estava começando a sentir frio e optei por passar no Special Needs para buscar minha segunda pele. Péssima idéia. Primeiro que havia a deixado do avesso (burro!!), depois não conseguia colocá-la, pois estava suado e por nada ela entrava. Quando enfim coloquei-a, rodei uns 3 km e comecei a sentir um calor infernal. Tentava erguê-la, valorizando todo o trabalho que tinha dado colocá-la, mas não adiantava. Tive que tirar e amarrá-la na cintura (burro de novo!!). Nessa já havia perdido meu pacer!! Apertei o passo e comecei a vê-lo um pouco a frente. Mas estava muito bem e sabia que agora era apenas trecho plano. Optei por continuar mais forte. Passei pelo ponto onde havia encontrado a galera anteriormente, mas já não estavam lá. Será que estavam na arquibancada para a chegada?? Peguei a segunda braçadeira e parti para os últimos 10 km.
E aqui não tem segredo: é tomar sopa com coca mesmo! Mermão, aquela sopinha levanta qualquer defunto, quiçá uma carcaça trocando as pernas!!! Na boa, revigora. Copinho de sopa, coquinha e pernada neles!!! Corria fácil. Talvez em busca de outro posto de hidratação!! Ah, sal e água a vontade!!!! Assim fomos seguindo as placas que nos levavam à linha de chegada. Por um momento vislumbrei um sub 12 horas. Possível? Com certeza, mas sabia que poderia pagar um preço por isso. Tinha feito 40 dias de treino, muitos duvidavam que um fosse chegar, não me senti confortável para cobrar tempo. Optei por acabar no momento certo. Desliguei o cronômetro e marchei rumo ao fim.
Foi quando pela última vez naquele dia entrei na Búzios. Sim, já recebido com um copinho de sopa. Agradecia a todos que ali estavam, vinha confraternizando com aqueles que, sentados em suas calçadas, esforçavam-se para ler nossos nomes em um papel à frente de nossos corpos e direcionarmos diretamente bons fluidos. É gratificante ver um amigo gritar seu nome ao longo do dia, mas um estranho? Não tem preço. É um dia de muitas provações e aprendizado. Agora tentava retribuir ao máximo o carinho. Gentileza gera gentileza.
A aglomeração aumentava, o corredor se estreitava, a placa dos 42 km surge. Entramos nos metros finais e somos escoltados por uma salva de palmas e assobios. É arrepiante! Surge então o grande holofote, como se fosse a luz no fim do túnel, seu nome soa pelos autofalantes, pisa-se o tapete azul. Procuro pelos meus ao longo da platéia, mas não encontro nenhum deles. Ainda assim os aplausos continuam. Volto-me ao horizonte, cruzo o pórtico de chegada, lá está escrito “you are na ironman”. Sim, eu sou!
Sem entender o que havia acontecido com todos que me acompanhavam, desfruto de uma boa massagem, alimento-me de tudo que é oferecido pela organização, retiro medalha, minha bike, troco de roupa e saio, pela última vez, da zona de transição. Acabava ali mais um ironman. Encontro o pessoal e então descubro o motivo do desaparecimento: haviam saído para escoltar um amigo do Dedé. Como eu disse no começo do texto, “...Você fica tendo picos de sentimentos ao longo do dia, por mais antagônicos que sejam”. Rolou um desapontamento coletivo, mas não se pode deixar que maus sentimentos estraguem o momento. No ano anterior tinha apenas dois conhecidos (grande Muru e Lê Xuxu) que me apoiaram o dia todo e ainda me puxaram no último km (certo Lê?). Esse ano, mesmo com tantos membros presentes, não tive um rosto um rosto amigo para compartilhar o momento, que rapidamente desfrutei com estranhos que ali apoiavam cada guerreiro posto à prova desde 7 da manhã.

Agora posso voltar para clausura dos estudos. Serão horas e horas de preparação intelectual, as HBC (horas bunda-cadeira) até que consiga obter sucesso. Aí então retornarei aos treinos, ao triathlon e, claro, ao Iron. A brincadeira do momento é: esse ano fiz um iron com uma bike coroa; o próximo farei com uma cara!!!! Adoro!! 

sábado, 25 de maio de 2013

Vida pré ironman


 Agora não tem mais volta. Sabe-se o destino final da aventura já no aeroporto. Grande parte dos que ali estão portam mochilas volumosas, com acessórios espalhados pelos bolsos, um capacete pendurado a tira colo e uma pele bronzeada, castigada pelos seguidos dias de treino sob o Sol. Sim, estamos indo para a Ilha da magia.

 E a coisa é tão intensa que nem o voo para assustar. A cabeça está longe, o estar a 11600 metros de altura simplesmente iguala os outros mortais ao plano onde me encontro! Memórias do Iron passado e provisões para o que está por vir ocupam meu tempo, o desejo de viver tudo aquilo novamente pulsa bravamente e em meio a tantas emoções, ouço o comandante anunciando o pouso. Chegamos ao paraíso.

 Desembarque tranquilo, bike em mãos, Dedé já está a espera (sim, Dedé - a fome do post "Os Cavaleiros do Apocalipse"). Ia hospedar toda a trupe que vinha para o Iron. Em seu Jipe azul metálico dava todo o ar para um território praiano. Morando na encosta de um morro, somos agraciados com uma vista sensacional. Toda a adrenalina que deveria envolver os dias que antecedem algo tão grandioso é anulada por uma paz e beleza; a ansiedade transforma-se em paz de espírito; relembro o por que de voltar ano a ano.


 Mas nem tudo são flores e o preparação continua. Após fazer o treino de natação oferecido pela organização do evento, chega a hora de fazer um giro de bike para soltarmos as pernas e checar os últimos detalhes e possíveis problemas mecânicos. Uma hora de pedal, um ritmo aceitável para quem enfrentará 180 km daí a dois dias e, para finalizar paramos no Mirante apenas para desfrutar mais uma bela vista do local, regada a um expresso cremoso.


Fernando, Dedé e eu continuávamos a aproveitar o local, jogando conversa fora enquanto deixávamos que o corpo relaxasse ao máximo. Perambulávamos pela dúvida "partir ou não", resistindo em deixar tamanha beleza para trás, quando surge a nossa frente, simples e sorrateiramente, passando quase despercebido, um ícone do triathlon mundial, detentor de seis títulos mundiais, tirando fotos como um simples turista. Estávamos diante de "cara" Mark Allen. Todos atônicos. Um minuto de silêncio. Fernando puxa conversa, tietagem à parte, hora da foto.


Da mesma forma que surgiu, Mr Allen deixou-nos. Agora podíamos voltar pra casa. O treino estava encerrado. Aquele encontro massageou-nos. Estávamos ainda mais empolgados. Particularmente trazia boas lembranças do ano anterior e o jantar de massas ao lado de outro Deus do triathlon Ken Glah e algumas lições que levo para todo o sempre. Agora um aperto de mão, uma simples foto, mas um energia incrível entre todos ali. Se as coisas seguissem dessa forma, domingo prometia. Agora era esperar, descansar o máximo possível, permanecer com a cabeça no lugar e deixar que as coisas aconteçam naturalmente. Que assim seja. 

domingo, 12 de maio de 2013

Comédia pastelão

Parece piada...
Quarenta dias. Esse foi o tempo que restou entre o início do treinamento para o Ironman 2013 e a prova propriamente dita. Até aí tudo bem - ou pelo bem entendido. O que fazer com tão pouco tempo? Literalmente correr!! E pedalar e nadar. E muito! Treinos mais técnicos, fazes de polimento, tudo descartado. Agora era hora de rodar, rodar e rodar; ganhar volume, condicionar e tentar, com muuuita sorte, concluir o Iron.
E assim foram conduzidas as semanas. O volume aumentando, o corpo sentindo o tempo que ficou parado, a carga imposta, mas ainda resistindo bem, pois tínhamos algumas metas a serem batidas para, ao menos, tentar massagear a consciência e visualizar um pouco de conforto nessa insana empreitada. Queríamos os 150 km de bike e os 30 km de corrida. E eles vieram na mesma semana.
Mas houve um preço a pagar: o corpo cobrou e se sentiu no direito de entrar em greve. Brandava overtraining. Espera aí, overtraining? Para ser "over", primeiro tem que ter treinado. Em 20 dias só se tivessem sidos contínuos!! Ridículo!
Ridículo ou não, o certo é que tudo que tentava fazer ficava aquém do que deveria ser. E isso ia minando cada vez mais a motivação para continuar. Cansado de bater cabeça, optei fazer um day off na quarta (8/5) e recomeçar na quinta com uma corridinha (que veio a calhar). Sabadão seria dia do "longuinho" de pedal e corrida.
Apesar de ter ido dormir meio tarde, logo às 5:30 pulei da cama e comecei a arrumar a tralha: lanche, água, gel, bcaa, dá quase para fazer um pique-nique com tanta comida. Café da manhã, farda no corpo, tomei um dose de guaraná em pó e parti antes das 6 da matina. Hora de tentar reanimar a carcaça!
O friozinho matinal reina solitário em solo goiano, o vento formado com o deslocamento da bike machuca, mas olhar adiante ajuda a manter o movimento. Quase saindo da cidade, última subida (senhora subida!), vejo um maludo desceu uma avenida auxiliar, a qual desembocaria onde me encontrava. Reduzi um pouco para não atrapalha-lo, ele completou a curva, colou ao lado e, com um sorriso carregado de bons fluidos mandou um " e ae". Olhei para o lado e estava nada menos que Santiago Ascenço partindo para mais um dia de trabalho.
Por diversos motivos isso mexeu comigo. Primeiro por ter um atleta de ponta, o qual sempre vejo treinando no autódromo, ali tão cedo e tão cheio de energia. Me fez lembrar o por que de fazemos tudo e de uma frase  muito sábia do mestre Donga: "sorriso no rosto sempre". Inadmissível seria estar ali se não com um prazer imenso, expresso em sorrisos e cumprimentos a todos que cruzassem o caminho. Segundo porque quando ele mandou o "e ae" e colou atrás, bateu uma responsa tão grande que nem lembrei que podia usar o volantinho para poupar a perna; saí pedalando forte ladeira acima para não fazer feio perto do "cara" do ciclismo no iron 2012. Quando vi já estava na estrada e nem sinal do Santiago que, sabiamente, não subiu que nem um louco e mais à frente me passou rumo ao autódromo.
Cheguei lá com a melhor média desde o início da preparação. Estava tão boa que nem zerei para tirar a média interna. Partiria dali e a subiria até o fim do treino. Começar com 25.3 não estava tão ruim. Agora era contar voltas!
Sozinho, nada de pelote, roda, vento na cara, tentava manter o ritmo forte. Sentia a perna querendo, a bicicleta pedindo, então era dar alegria às duas. Quando me pegava fazendo muita força, procurava transferir para uma cadência mais alta e automaticamente sentia um alívio nos membros inferiores. Fácil, estava no melhor dia de treino desse "longo" projeto. Primeira hora de treino concluída e 30 km percorridos. 30 km??? Façam as contas! Renderam as pernadas. Enquanto isso continuava a tomar voltas dos diversos grupos de ciclistas que rodavam por lá hoje (inclusive Santiago no meio do bolo). Contaminara a todos!!!
Segue o treino. Alternando algumas reduções de velocidade para alimentar e hidratar, tentava não perder a pegada. Nem um xixizinho rolou (isso sim é assustador!!). Duas horas e a marca de 60 km já habitava minha tela, mas a média ainda estava em 29.9. Já poderia retornar se quisesse e fazer minha transição, mas com esse número piscando quase como uma risada debochada, resolvi acabar o treino quando colocasse o 30 km/h na tela. Tinha medo que ela nem o reconhecesse, mas iria tentar! Comecei a puxar (mais!), pois não queria alongar muito e, por isso, precisava aumentar a velocidade rodada. Mais uma volta, descida, pernada na magrela e ele surgiu. Parou!!!!! Agora já poderia retornar, mas ainda queria mais!
Nova marca: sair de lá com 81 km, pois assim teria meus 90 km do dia e, pelo visto, em 3 horas. Já não tão intenso, mas mantendo o 29.9, completamos o metragem e retornamos para estrada.
E na estrada a conversa é outra. Ali a coisa complica, o acostamento é muito destruído, carros e caminhões passam muito perto, sujeira demais... além das subidas! Não tem jeito, perde-se velocidade. Mas ainda sim parecia que a coisa ia bem. Saímos do tumulto, retomamos o bom caminho até em casa e, forçando onde dava, a freada final foi dada aos 89.79 km e 3:01 horas de tempo. Nem com muita viagem esperava voltar a rodar no trintinha em tão pouco tempo. O "e ae" carregado deu um upgrade no dia e tornou "mais um treino" no treino. Por via das dúvidas, melhor tentar ganhar um desses no dia da prova! E que venha o iron!! Faltam 14 dias.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Let It Be



Alguns esperaram por 50 anos, outros um pouco menos. Eu, particularmente, aguardei por quase dois anos o retorno. No primeiro momento, tempos de vacas magras, foi impossível desfrutar de algo tão imenso. Hoje já não existem vacas, mas as coisas se acertaram e estávamos prestes a realizar um grande sonho: ver um ex-beatle ao vivo.

O show estava marcado para 21 horas, mas os portões seriam abertos às 17:30 horas. Por mim chegaria trinta minutos antes do show, me acertaria em qualquer espaço e curtiria tranquilamente, mas estávamos em equipe e ansiedade coletiva falou mais alto. Rumamos para o estádio um pouco depois das 18 horas.

Chegando lá, já estacionado o carro, ficou claro a imensidão da fila para adentrar ao local. Era algo assustador, quilométrico, a se perder de vista. Chegamos mais perto e percebemos que, quase uma hora e meia depois do previsto, os portões ainda não haviam sido abertos e, para ajudar, a organização do evento tinha, em um momento de infeliz falta de bom senso, organizado uma única entrada. Sim, estávamos em um estádio, com vários portões e uma boa dispersão interna, mas apenas uma entrada estava sendo usada. Era como se ali tivesse um grande rebanho, pronto para serem marcados. Realmente fruto de uma organização acostumada com as grandes festas agropecuárias oferecidos pelo estado de Goiás. Estava explicada a grande fila. Nos acertamos em meio a um grupo e aguardamos pela liberação das catracas.

Cumprido o ritual de entrada, com vistoria, enganar o guarda para entrar com água e arranjar um acento, ficamos a curtir o DJ que tocava os grandes clássicos dos Beatles (na verdade era um “esquenta” do setlist que seria tocado em instantes) e observando o fluxo de pessoas a ocupar os espaços vazios ao longo das arquibancadas e gramado. Mas o fluxo ordenado virou caos, o que era ordenado de repente tornou-se um aglomerado de pessoas se espremendo, tentando se locomover entre aqueles que já haviam tomado seus lugares. Uma loucura! Simplesmente por não terem liberado o acesso à arquibancada oposta – caminho submerso àquele – pois atrapalharia ilustríssimo governador em seu camarote pomposo. Pelo conforto do senhor Marconi Perillo, o cidadão goiano podia ser pisoteado. RI-DÍ-CU-LO. Após muitos protestos, liberaram a tal área, o público ocupou o que ainda havia de espaço vazio e em meio a um pot-pourri de canções, imagens de um menino de Liverpool amadurecendo como homem, ganhando os traços que rodaram o mundo e causaram frisson por entre suas platéias, até obter a fisionomia atual de um senhor de 70 anos. Que a idade não deixe-nos mensurar o poder do show. A história estava contada. Out There – a turnê mundial de Paul McCartney estava por começar. A cápsula fechou-se por completo, o que estava lá fora não mais importava, apagaram-se as luzes, entra o mito. Let it be.

Empunhando seu famoso baixo de 4 cordas, Paul desfere seus primeiros acordes, oferecendo Eight Days a Week ao público, que responde estridentemente a todas as estrofes. Uma forma digna de se iniciar um espetáculo. A vontade era tanta que a voz já falhava ao final da primeira música. E os sucessos vinham sendo emendados, sem tempo para água. O senhor em cima do palco trocava freneticamente de instrumentos sem ao menos um trago d’água ingerir. Deixava seu baixo, abraçava sua Epiphone, soltava-a e sentava-se ao piano. All my Loving, Paperback Writer, My Valentine... Paul se divertia com um enxame de Louva Deus que o rondava enquanto permanecia sentado ao piano, espetáculo à parte que perduraria por toda a noite.

Então Long and Winding Road, uma melodia profunda, capaz de acalmar os ânimos e despertar uma certa tristeza. Com o dever de casa em dia, continuava a cantar intensamente, como se estivesse em meu dueto particular, declarando-me ao céu, sem me preocupar com o pensavam de mim!

Foi quando reparei que muitos cidadãos com suas madeixas prateadas ainda não haviam ao menos levantado. Talvez estivessem tendo um momento diferente, em silêncio, quase como uma prece? Talvez, mas destoavam tanto de outros “tiozões” que a impressão que transpareciam era de estarem no lugar errado. Fora eles, pessoas mais novas acompanhavam o movimento estátua, permanecendo de braços cruzados à espera de um “Twist and Shout” para relembrarem o épico “Curtindo a vida adoidado”. Azar! Para mim seria até o fim!!

E o balé instrumental continuava. A banda extremamente talentosa não se permitia falhas, acompanhado o maestro à altura. Paul, agora acomodado em um belo violão Gibson, anuncia uma homenagem ao seu amigo “John”. O palco então eleva-se, colocando em outro patamar, talvez um pouco mais próximo do céu, como se quisesse falar diretamente com Lennon. Sozinho dedilha alguns acordes e faz uma verdadeira declaração de amor. A nós, meros mortais, restava a admiração.

Mas a noite ainda tinha muito a oferecer e, sem soltar o gigante de seis cordas, entoa o sucesso And I Love Her, levando o público ao delírio (certeza que teve gente que cantou a versão do Zezé de Camargo e Luciano!!!). Sem deixar cair o nível, iniciou Blackbird. Arrepiei. Tinha ouvido essa música gravada em São Paulo e por muito remoí ter perdido tal oportunidade. Agora estava ali, frente a frente com o mito. Sem perder tempo, fui junto com o mestre (blackbird singing in the dead oh night...).

O ingresso já estava pago a muuuuuuito tempo, mas a oferta de sucessos continuava e prontamente respondíamos aos estímulos. Lady Madonna, Back in the USSR, Obla di obla da... Eleanor Rigby, outra bela canção que, particularmente, desejava vivenciar. Com seu fundo instrumental, um violino marcando o passo, ao melhor estilo Psicose, como se transparecesse todo o vazio e desespero de todas as pessoas solitárias ali citadas. Lindo demais de se ver, ouvir, cantar... a essa altura, rouquidão na certa!

Mais uma troca de instrumento e agora Paul surge com um Ukulele, um pequeno cavaco havaiano – globalizado por Mr. Israel Kamakawiwo em sua versão de Somewhere over de Rainbow – diz se tratar de uma homenagem a George e harmonicamente inicia uma nova leitura para Something. Quando a música “cresce”, a banda ressurge e a imensidão de mais um grande clássico dos Beatles se faz presente. Segue o show, sucessos de sua carreira solo e da época do The Wings marcam seu espaço: Let me roll it, My Valentine, Band on the run, todas conseguem manter em altíssimo nível o espetáculo.

Sentou-se ao piano e trouxe a nós Let it be. Mais que uma canção, um ensinamento que deve ser revisto a cada dia. Alguém espiritualmente superior, ali citada, ensina o jovem a contornar seus problemas e, um a um, estávamos todos entoando em coro o refrão que, na verdade, deveria ser um mantra: let it be.

 

Mas parecia que Mr. Paul não havia se dado por satisfeito com o calor que o lugar exalava. Sentou-se ao piano e, like a gentleman, iniciou calmamente “when you were Young and your heart was na open book…” e então sacramentou: “Live and let die”. Booom!!! O show pirotécnico fez a noite virar dia, aqueles que se escondiam nas sombras foram expostos, estava tudo às claras. Sincronizadamente a queima acompanhava a overdose instrumental presente no palco, com músicos se aglomerando e desferindo solos de todos os lados. E então a calmaria. Mais uma vez cai a noite e com ela ressurge o controle do dono da noite. Recomeça os versos rimados e então, não se contentando com uma dose apenas, repete: “Live and let die”. Booom de novo!!! A loucura está de volta ao palco, a noite é novamente acuada pela imensidão dos fogos, as labaredas liberadas na frente do palco desaparece com aqueles que ali estavam e, após alguns infinitos minutos de rebeldia, encerra-se o ato. Aquele que iniciara como um lord, agora ergue-se de seu trono um pouco defumado, meio ensurdecido pelo excelentíssimo barulho que proporcionara a nós. Uma salva de palma interminável tentava demonstrar a gratidão dos todos presentes pelo grande show.

Na sequência, sem deixar que as lágrimas secassem, Hey Jude. Pronto, música bonita, todos cantando junto, mas de letra mesmo só uns dois minutos. Depois, já sabe, o famoso “nananana”. Aí deu nananana. Teve ao piano, solo, na bateria...uns sete minutos nanananando!!! Tanto nananana que eles fizeram um brake.

Voltaram rapidamente (tão rápido que tinha gente cantando nananana ainda!!!). Paul fardou-se com o baixo e, sem perder tempo, “puxou” Day Tripper. Fui à loucura!!! Revivi os tempos de moleque tentando tirar o riff no violão. Rock n’ roll da melhor qualidade! Lovely Rita. Fomos juntos e, sem perder a pegada, trouxe Get Back na sequência – get back, get back to where you once belonged-. Mais uma pausa. A goianada já deixava o estádio. Disse logo: “ Se não acenderem as luzes do palco, não acabou o show”. Muita gente saindo e estão voltam os artistas.

Paul trazia uma bandeira do Brasil a dançar pelo ar, acompanhada da bandeira da Inglaterra conduzida por outro membro da banda. Desfilaram por todo o palco. Desapareceram as bandeiras, surgiu o violão – Yesterday. A música mais tocada no mundo estava ali sendo dedilhada ao vivo. A perfeição era tamanha que pensávamos ouvir ali algo remixado. Sem trastejados, o som ecoava suavemente por entre nós, emocionando a todos que ali restavam. Não encontrávamos forma de agradecer, os sorrisos saltavam ao rosto, aplaudíamos incansavelmente. Alternando inglês e português, Paul agradeceu toda a produção do evento, sua banda e nós, os presentes! Disse que era “hora de vazar!”. Sentou-se ao piano pela última vez na noite e conduziu-nos a mais um momento de êxtase com uma sequencia impecável: Golden Slumbers, Carry that Weight e, para sacramentar,  The End. Foram quase três horas do melhor que alguém já produziu no mundo da música. Um evento épico, capaz de unir as mais variadas gerações, todos ao redor de um mito. A alegria de ter passado por tal experiência transbordava pelos poros, parar de saltitar e balbuciar as melodias uma missão impossível. O show estava terminando, a noite começando. O sonho? Bem, que esse dure eternamente, pois o que ali foi vivido, jamais será esquecido. Boa noite! (na na na nananana...)


sexta-feira, 3 de maio de 2013

Fechado para balanço



  É chegado o mês de maio e com ele a contagem regressiva para o grande dia. Agora não são mais meses, estamos falando de dias. E são poucos, muito poucos. Especificamente, serão 24 dias até o Ironman, mas de treino apenas 20. Para quem começou a treinar no dia 8 de abril, eis a marca medial de toda a preparação. Então, hora de avaliar o que foi feito até aqui.

  A metragem do Iron já é bem difundida, mas para massagear a memória retomemos aqui as marcas: 3,8 km natação, 180 km ciclismo, 42,195 km corrida. Ironicamente (pois fora minha grande preocupação em 2012) a natação acalma os ânimos na preparação. Sinal que, pelo menos, podemos começar bem o dia na ilha da magia. Agora pedalar 180 km e correr uma maratona? Nem no auge do meu otimismo conseguia visualizar tal feito até pouco tempo atrás. Estava a um ano sem treinar e, por serem medidas consideráveis, precisaria de muita rodagem e reza para vislumbrar alguma esperança de êxito na empreitada. Checagem geral na bike, hora de fazer o primeiro treino externo.

Dia 1

  Quando se fala de longão de ciclismo, há uma certeza: o dia começa cedo. Às 6 horas já estávamos rodando por Goiânia. O destino? O autódromo da cidade – único lugar praticável por aqui. O problema era chegar até lá, pois em meio a ruas esburacadas e ausência de acostamento (um metrinho magro, sujo e inclinado), ainda tinha que atentar aos motoristas perturbados que rodam pela região. Por muito evitei tal aventura, mas agora não poderia postergar mais. Já percorrido o perímetro urbano, iniciando o trecho de estrada, uma pancada em uma massa de asfalto e a primeira baixa: pneu furado. Na hora vieram as lembranças de quantas milhões de trocas já havia feito na vida, furos seqüenciais que ocorreram ao longo dos treinos e assim toda a euforia do momento deu lugar à realidade e aos percalços do ato.

  Estava perto de um posto e optei por retornar e encher no compressor para ter maior precisão. Troquei a câmara, enchi e surpresa: estava vazando. Retirei, coloquei outra câmara (a última que tinha comigo) e deu certo. Aproveitei o momento e remendei as outras, pois, caso viesse a furar novamente, seriam úteis. De novo na estrada, rumamos para o autódromo. Cerca de 15 minutos depois já estávamos lá dentro e, para minha surpresa, o pneu furou de novo. “Jura?”. Já me indignava com a situação: ali trocando câmara pela terceira vez no dia (e não eram nem 7 da manhã) e uma galera girando na pista. Ok, aceito. Câmara posta, cheia, roda encaixada, hora de girar, certo? Errado. Dois metros em cima da bike e o pneu murchou de novo. Ali tive a certeza que o primeiro dia seria para afinar o lado mecânico. Troca câmara, remenda as furadas e, após uma hora de uma dura batalha, consegui colocar a bike na pista. Voltava a sentir o vento no rosto com uma constância digna de ser denominada treino. Agora era somar voltas.

  A meta do ciclismo era simples: fazer 150 km antes do Iron. Em um percurso de 3 km! Lembro-me de fazer 12, 15 km em uma pista de 400 metros correndo e ali aprender a controlar a ansiedade, a pressa de acabar, a focar no objetivo, abstrair maus pensamentos... Agora o nível havia subido, o número de voltas também, e o tempo despendido então nem se fala: seriam quase 6 horas rodando! Duro.

  Mas não foi na primeira tentativa. Talvez por já ter perdido muito tempo com as trocas, somado ao meu despreparo físico e temperado com um pneu que parecia querer esvaziar a qualquer momento, pareceu mais sábio abortar o treino enquanto podia pedalar. Foram apenas 50 km rodados no dia e o sabor amargo do fracasso a marcar cada gole d’água ao longo do dia. Tentaríamos de novo e seria no dia seguinte.

  Dia 2

  Era noite quando o despertador tocou. Uma mistura de raiva e euforia não permitiram ao menos titubear ao primeiro sinal de despertar. Devidamente fardado e com a tralha de treino organizada, retornávamos para a estrada. Ciente das condições do asfalto até o destino final e calejado pelo dia anterior, um mantra surgiu à cabeça: “tire o peso”. Praticamente pedalava em pé, assim permitia uma melhor distribuição de carga entre as rodas e, caso atropelasse um maldito monte de asfalto, talvez não tivesse o pneu estourado (quem disse que não servi para nada os 4 anos de Física!!!). Atravessado o perímetro urbano, iniciamos o trecho de estrada, um cume de onde temos uma visão panorâmica do horizonte, quase como se pudéssemos ver o futuro. A alguns quilômetros dali repousava o autódromo, envolto em uma névoa aconchegante, quase como uma manta. Por trás dele o Sol já anunciava uma novo dia, uma nova chance. Sem grandes surpresas, fomos para a pista.

  Já havia alguns ciclistas treinando. Algumas bikes dignas de foto, verdadeiras máquinas. Outras mais simples. Muita gente ali praticando pelo hábito saudável, nada de pressão de treino ou coisa parecida. Acordam cedo e colocam a magrela para rodar por puro prazer. Outros tantos treinando forte, dia após dia, sob Sol ou chuva, sem pestanejar, por puro prazer!!! E no meio disso tudo, iniciamos mais um somatório de voltas.

  Por ter um percurso bem variado, a velocidade varia muito (principalmente se estiver fora de forma para escalar!!), mas permite que se faça uma média razoável. Tentando não forçar demais e buscando uma volta negativa, passei a controlar a empolgação. Sabia que não resolveríamos aquilo em uma volta e, se não tomasse cuidado, a coisa poderia ficar feia a qualquer momento. E assim fomos: uma hora, duas horas, 30, 60 km... e então, quando já passávamos dos 80 km, o segurança do autódromo deu por encerrada a sessão de treino. Iria começar o treinamento da moto velocidade. Com energia de sobra, mas sem muitas opções, voltamos pra casa, tentando alongar um pouco o percurso, mas com uma perda considerável de ritmo, pois rodar dentro da cidade é inviável. Fechamos o dia com 105 km e uma média de 27 km/h. Razoável, mas ainda faltava um tanto para os 150 km.

 Dia 3

 Uma semana se passou e estávamos de volta ao palco do ciclismo goiano!! Antes de chegar à pista, passamos pela área dos boxes e eis que os vejo ali, parados estáticos e imponentes. Verdadeiros monstros motorizados que, caso decidissem disputar território com as magrelas, fariam um estrago descomunal. Seria semana de Fórmula Truck e algumas máquinas já repousavam por ali. Entrei para treinar certo que deveria manter o sensor de alerta ligado. Sem surpresas.

  Treino fluindo normalmente, as voltas viam se somando bem, a perna estava mais solta e logo percebi que a média de velocidade estava aumentando. Começava a marcar 28 km/h. Se conseguisse manter esse ritmo no dia do Iron, fecharia o ciclismo em menos de 7 horas. Começava, enfim, a ter esperanças de acabar a ciclismo (leia-se bem – CICLISMO. A maratona após é ooooutro problema). Rodávamos sofrendo as mesmas variações de ritmo, sem muitas novidades quando, sem muita cerimônia, um dos brinquedinhos adormecidos resolve dar um role pela pista. Sai bem à minha frente, todo pomposo. Era tão grande que fez até sombra! Vi ali uma oportunidade única: andar na roda de um caminhão (andar na roda de bike é para os fracos!!!). Mas rapidamente digeri tal ideia, pois residia ali uma imensa probabilidade de conseguir me machucar feio!!. Ele voltou para os boxes, eu para o treino.

  Ao passar pela linha de chegada, ficou claro que não tinha nenhum guarda sinalizando para interrompermos o treino, o que preocupava mais ainda, pois estavam entrando na pista com todos os ciclistas ali. A essa altura o sensor já soava histericamente. Difícil relaxar com tanta pressão. Volta a volta uma espiadinha nos boxes para “sentir” o clima. E então, já no meio do circuito, um motor estridente urrava às minhas costas. Não era de caminhão, mas vinha com muita pressa. Sem pestanejar, joguei para o lado e tentei ver o que era. Um corsa pau velho sem noção vinha a todo vapor fazendo sua “voltinha” sem ao menos considerar os que ali estavam. Percebi que os ciclistas que ali ainda rodavam, já se arremessavam para fora da pista, tentando escapar da estupidez daquele indivíduo. Trilhei o mesmo caminho e, ao sairmos todos, chegou enfim o responsável por avisar-nos da interdição da pista. Um pouco tarde, já estava feito o trabalho.

  Mais uma vez expulso, novamente com 100 km rodados. Parecia impossível conseguir o tal 150 km. Vivia a utopia que o problema, ao menos, não era comigo. Apenas não me deixavam completar toda a distância. Um pouco de massagem para um ego assustadoramente fragilizado.

Dia 4

  O mês de maio estava em vigor e com ele todo o peso da proximidade do grande dia. Já não havia mais tempo para experiências ou inovações. Era hora de concluir o projeto, saber qual o patamar alcançado, fazer as projeções para o dia da prova e tentar manter foco, condicionamento físico e mental até o dia 26. Dia 2 de maio, para mim a última chance de tentar a marca. Era tudo ou nada.

  E como burlar a sorte e não ser expulso do autódromo? Simples, chegando mais cedo. Às 5:30 da manhã já dava início ao treino. Tudo muito escuro, com uma iluminação precária, o medo de enfiar a bike em algum buraco, desnível, tronco, sei lá, corria sob a pele. Conduzia-a na ponta dos dedos, tentava chegar à autoestrada ileso. Deu certo, mas lá a questão da iluminação piorou. E muito!!! Não enxergava nada, pois não havia um poste sequer funcionando. Agora era na reza até a porta do autódromo.

  Superados os primeiros obstáculos do dia, chegávamos ao local do treino. A noite ainda reinava, os portões cerrados, o frio da madrugada não deixava aqueles que ousaram enfrentá-lo esquecer o conforto de suas camas. O guarda ainda preparava seu café sob uma luz incandescente fraca, talvez a única fonte de calor ali presente. Anunciando estar aberto o portão, sem ao menos ousar colocar-se para fora da guarita, permitiu minha entrada. Era o primeiro do dia. Parecia que o tempo estava a meu favor.

  Rumei para pista e prontamente a contagem de voltas foi iniciada. Seria, literalmente, uma corrida contra o tempo. O Sol, como se tivesse aproveitado bem o feriado do dia seguinte, preguiçosamente resistia a surgir. Lentamente o horizonte ganhava seus tons alaranjados e a noite transformava-se em dia.

  Enquanto isso alguns ciclistas já chegavam para suas sessões matinais. Todos ali tinham seus compromissos, suas metas a cumprir e um dia a dar continuidade. Permanecia ali a observar toda a movimentação. Grupos sendo formados, alguns ainda pedalando sozinho, ritmos diferentes, e com essa espécie de rodízio, fazia correr as horas. O tempo passava agradável, suave, a quilometragem subindo a cada volta e a espera por um número no visor embalava todo aquele esforço: 150 km. Os primeiros que ali chegaram já não estavam mais, os pelotões que rodavam juntos desfizeram-se com o passar das horas. A pista ia ficando mais vazia, o Sol já castigava quem permanecia naquele descampado, mas a quilometragem continuava subindo e isso bastava para continuarmos.

  A marca de 100 km veio abaixo. Com os suprimentos escassos, a coisa parecia querer apertar, mas ainda era confortável. Vieram os 120 km e a vontade de parar foi grande. Com os 20 km de ida e volta, já teria 140 km, estaria bom por demais, não? Não! A meta era 150 km e só pararia de pedalar quando o ciclo marcasse tal número. A essa altura já era difícil imprimir um ritmo mais forte. As descidas feitas a 42 km/h agora beiravam 35, as subidas nem merecem comentários. Ainda assim conseguia manter uma média de 28.5 km/h, uma boa marca.

  E assim, já totalmente sozinho (novamente) naquele deserto, conseguia fechar 132 km rodados dentro do percurso (divida por 3 e terão a quantidade de voltas!!). Apaguei as luzes do salão, fechei a porta e parti para estrada! Tinha meus últimos 10 km para bater a meta. E claro que, como uma sina, a volta tem uma subida extremamente íngreme, violenta, daquelas que se tem vontade de descer da bike e empurrá-la até o topo (eternizando a subida da Ambev!). Não teve jeito: volantinho na bike, giro alto e movimento quase inercial. Vencido o morro, agora era só alegria. Acabamos o trecho urbano (extremamente esburacado, cheio de trepidações... um lixo), fechando em 151.51 km de treino, 5:37 de tempo total, encostamos a bike em casa e, sem tempo para desfrutar de todo o desgaste adquirido, calçamos o tênis e partimos para os 30 minutos de corrida. Sim, nunca acaba no ciclismo! Agora era cuidar da corrida, mas isso já é outra historia. Por hora apenas deliciar-me com a possibilidade de completar o percurso de 180 km no dia 26 de maio.


terça-feira, 2 de abril de 2013

Uma ducha de raios gama

   

   E é chegado o grande momento. Restam 60 dias e, relembrando tudo que foi vivido para chegarmos bem ao evento de 2012, é assustador pensar como estaremos esse ano. E agora, como vencer o Ironman em tão pouco tempo?

   Conversei com muita gente que já esteve por lá (ou até eu desafios piores) e, os amigos do peito, dizem que vai dar, que sou forte, o mais genuíno apoio moral (obrigado queridos!!!). Os mais sensatos já dizem na lata: "você está louco!!!". Soa muito mais fidedigno. Sair do zero (quase negativo) e encarar apenas dois meses de treino é insano. É pedir pra dar errado!!!

    Ainda lembro de temer os 3800 metros de natação mais que as demais etapas da prova. Sabia que precisava apenas sair sozinho da água para que tudo desse certo. Hoje, já "petiscando" as três modalidades, tenho certeza que a água será a melhor parte do meu dia! O problema começará ao pisar em terra firma, ouvir o comando para retirada da roupa de borracha, correr para a primeira transição. Ver a bike esperando para uma voltinha de 180 km será assustador. Pensar em correr uma maratona após tudo isso já otimismo demais!!! 

   Tentando bolar um plano, achar a solução para meus problemas, descobrir algo que pudesse clarear o caminho até floripa, já em puro devaneio, deparei-me desejando uma bela dose de raios gama. Que maravilha seria! Após algumas enxaquecas, talvez náuseas, estaria pronto para o desafio. Viveria normalmente, mas deveria tomar cuidado com as provocações, os batimentos cardíacos deveriam estar sempre estabilizados, respeitando uma faixa limite. Guardaria toda a ira para o grande dia.

   E ele chegaria e então, frente a frente, estaríamos: Ironman e eu. Ele todo pomposo, cheio de si, sabedor de sua fama, do respeito que impõe aos que o desafiam, as vítimas que deixou pelo caminho, e, vendo minha frágil condição física, tentaria me derrubar. Mas eu estaria preparado. Ao primeiro estímulo, deixaria fluir minha ira, já não seria necessário técnicas de respiração, controlar meu coração. Como em um passe de mágica, os olhos esbranquiçados, o efeito da radiação viria à tona, muito maior e mais forte, todo em verde (ninguém é perfeito!), estaria pronto para dar uma lição no velho Ironman, aquele metido! As coisas seriam diferentes...

   O desespero entorpece a racionalidade, a imaginação se torna uma esperança. Ah Bruce Banner, você que é feliz!!! E que venha 25 de maio.