Alguns esperaram por 50 anos,
outros um pouco menos. Eu, particularmente, aguardei por quase dois anos o
retorno. No primeiro momento, tempos de vacas magras, foi impossível desfrutar
de algo tão imenso. Hoje já não existem vacas, mas as coisas se acertaram e
estávamos prestes a realizar um grande sonho: ver um ex-beatle ao vivo.
O show estava marcado para 21
horas, mas os portões seriam abertos às 17:30 horas. Por mim chegaria trinta
minutos antes do show, me acertaria em qualquer espaço e curtiria tranquilamente,
mas estávamos em equipe e ansiedade coletiva falou mais alto. Rumamos para o
estádio um pouco depois das 18 horas.
Chegando lá, já estacionado o
carro, ficou claro a imensidão da fila para adentrar ao local. Era algo
assustador, quilométrico, a se perder de vista. Chegamos mais perto e
percebemos que, quase uma hora e meia depois do previsto, os portões ainda não
haviam sido abertos e, para ajudar, a organização do evento tinha, em um
momento de infeliz falta de bom senso, organizado uma única entrada. Sim,
estávamos em um estádio, com vários portões e uma boa dispersão interna, mas
apenas uma entrada estava sendo usada. Era como se ali tivesse um grande
rebanho, pronto para serem marcados. Realmente fruto de uma organização
acostumada com as grandes festas agropecuárias oferecidos pelo estado de Goiás.
Estava explicada a grande fila. Nos acertamos em meio a um grupo e aguardamos
pela liberação das catracas.
Cumprido o ritual de entrada, com
vistoria, enganar o guarda para entrar com água e arranjar um acento, ficamos a
curtir o DJ que tocava os grandes clássicos dos Beatles (na verdade era um
“esquenta” do setlist que seria tocado em instantes) e observando o fluxo de
pessoas a ocupar os espaços vazios ao longo das arquibancadas e gramado. Mas o
fluxo ordenado virou caos, o que era ordenado de repente tornou-se um
aglomerado de pessoas se espremendo, tentando se locomover entre aqueles que já
haviam tomado seus lugares. Uma loucura! Simplesmente por não terem liberado o
acesso à arquibancada oposta – caminho submerso àquele – pois atrapalharia ilustríssimo
governador em seu camarote pomposo. Pelo conforto do senhor Marconi Perillo, o
cidadão goiano podia ser pisoteado. RI-DÍ-CU-LO. Após muitos protestos,
liberaram a tal área, o público ocupou o que ainda havia de espaço vazio e em
meio a um pot-pourri de canções, imagens de um menino de Liverpool amadurecendo
como homem, ganhando os traços que rodaram o mundo e causaram frisson por entre
suas platéias, até obter a fisionomia atual de um senhor de 70 anos. Que a
idade não deixe-nos mensurar o poder do show. A história estava contada. Out
There – a turnê mundial de Paul McCartney estava por começar. A cápsula
fechou-se por completo, o que estava lá fora não mais importava, apagaram-se as
luzes, entra o mito. Let it be.
Empunhando seu famoso baixo de 4
cordas, Paul desfere seus primeiros acordes, oferecendo Eight Days a Week ao
público, que responde estridentemente a todas as estrofes. Uma forma digna de
se iniciar um espetáculo. A vontade era tanta que a voz já falhava ao final da
primeira música. E os sucessos vinham sendo emendados, sem tempo para água. O
senhor em cima do palco trocava freneticamente de instrumentos sem ao menos um
trago d’água ingerir. Deixava seu baixo, abraçava sua Epiphone, soltava-a e
sentava-se ao piano. All my Loving, Paperback Writer, My Valentine... Paul se
divertia com um enxame de Louva Deus que o rondava enquanto permanecia sentado
ao piano, espetáculo à parte que perduraria por toda a noite.
Então Long and Winding Road, uma melodia
profunda, capaz de acalmar os ânimos e despertar uma certa tristeza. Com o
dever de casa em dia, continuava a cantar intensamente, como se estivesse em
meu dueto particular, declarando-me ao céu, sem me preocupar com o pensavam de
mim!
Foi quando reparei que muitos
cidadãos com suas madeixas prateadas ainda não haviam ao menos levantado. Talvez
estivessem tendo um momento diferente, em silêncio, quase como uma prece?
Talvez, mas destoavam tanto de outros “tiozões” que a impressão que
transpareciam era de estarem no lugar errado. Fora eles, pessoas mais novas
acompanhavam o movimento estátua, permanecendo de braços cruzados à espera de
um “Twist and Shout” para relembrarem o épico “Curtindo a vida adoidado”. Azar!
Para mim seria até o fim!!
E o balé instrumental continuava.
A banda extremamente talentosa não se permitia falhas, acompanhado o maestro à
altura. Paul, agora acomodado em um belo violão Gibson, anuncia uma homenagem
ao seu amigo “John”. O palco então eleva-se, colocando em outro patamar, talvez
um pouco mais próximo do céu, como se quisesse falar diretamente com Lennon.
Sozinho dedilha alguns acordes e faz uma verdadeira declaração de amor. A nós,
meros mortais, restava a admiração.
Mas a noite ainda tinha muito a
oferecer e, sem soltar o gigante de seis cordas, entoa o sucesso And I Love
Her, levando o público ao delírio (certeza que teve gente que cantou a versão
do Zezé de Camargo e Luciano!!!). Sem deixar cair o nível, iniciou Blackbird.
Arrepiei. Tinha ouvido essa música gravada em São Paulo e por muito remoí ter
perdido tal oportunidade. Agora estava ali, frente a frente com o mito. Sem
perder tempo, fui junto com o mestre (blackbird singing in the dead oh
night...).
O ingresso já estava pago a
muuuuuuito tempo, mas a oferta de sucessos continuava e prontamente
respondíamos aos estímulos. Lady
Madonna, Back in the USSR, Obla di obla da... Eleanor Rigby, outra bela
canção que, particularmente, desejava vivenciar. Com seu fundo instrumental, um
violino marcando o passo, ao melhor estilo Psicose, como se transparecesse todo
o vazio e desespero de todas as pessoas solitárias ali citadas. Lindo demais de
se ver, ouvir, cantar... a essa altura, rouquidão na certa!
Mais uma troca de instrumento e
agora Paul surge com um Ukulele, um pequeno cavaco havaiano – globalizado por
Mr. Israel Kamakawiwo em sua versão de Somewhere over de Rainbow – diz se
tratar de uma homenagem a George e harmonicamente inicia uma nova leitura para
Something. Quando a música “cresce”, a banda ressurge e a imensidão de mais um grande
clássico dos Beatles se faz presente. Segue o show, sucessos de sua carreira
solo e da época do The Wings marcam seu espaço: Let me roll it, My Valentine,
Band on the run, todas conseguem manter em altíssimo nível o espetáculo.
Sentou-se ao piano e trouxe a nós
Let it be. Mais que uma canção, um ensinamento que deve ser revisto a cada dia.
Alguém espiritualmente superior, ali citada, ensina o jovem a contornar seus
problemas e, um a um, estávamos todos entoando em coro o refrão que, na
verdade, deveria ser um mantra: let it be.
Mas parecia que Mr. Paul não
havia se dado por satisfeito com o calor que o lugar exalava. Sentou-se ao piano e, like a gentleman, iniciou
calmamente “when you were Young and your heart was na open book…” e então
sacramentou: “Live and let die”. Booom!!! O show pirotécnico fez a noite
virar dia, aqueles que se escondiam nas sombras foram expostos, estava tudo às
claras. Sincronizadamente a queima acompanhava a overdose instrumental presente
no palco, com músicos se aglomerando e desferindo solos de todos os lados. E
então a calmaria. Mais uma vez cai a noite e com ela ressurge o controle do
dono da noite. Recomeça os versos rimados e então, não se contentando com uma
dose apenas, repete: “Live and let die”. Booom de novo!!! A loucura está de
volta ao palco, a noite é novamente acuada pela imensidão dos fogos, as labaredas
liberadas na frente do palco desaparece com aqueles que ali estavam e, após
alguns infinitos minutos de rebeldia, encerra-se o ato. Aquele que iniciara
como um lord, agora ergue-se de seu trono um pouco defumado, meio ensurdecido
pelo excelentíssimo barulho que proporcionara a nós. Uma salva de palma
interminável tentava demonstrar a gratidão dos todos presentes pelo grande
show.
Na sequência, sem deixar que as
lágrimas secassem, Hey Jude. Pronto, música bonita, todos cantando junto, mas
de letra mesmo só uns dois minutos. Depois, já sabe, o famoso “nananana”. Aí
deu nananana. Teve ao piano, solo, na bateria...uns sete minutos nanananando!!!
Tanto nananana que eles fizeram um brake.
Voltaram rapidamente (tão rápido
que tinha gente cantando nananana ainda!!!). Paul fardou-se com o baixo e, sem
perder tempo, “puxou” Day Tripper. Fui à loucura!!! Revivi os tempos de moleque
tentando tirar o riff no violão. Rock n’ roll da melhor qualidade! Lovely Rita.
Fomos juntos e, sem perder a pegada, trouxe Get Back na sequência – get back,
get back to where you once belonged-. Mais uma pausa. A goianada já deixava o
estádio. Disse logo: “ Se não acenderem as luzes do palco, não acabou o show”.
Muita gente saindo e estão voltam os artistas.
Paul trazia uma bandeira do
Brasil a dançar pelo ar, acompanhada da bandeira da Inglaterra conduzida por
outro membro da banda. Desfilaram por todo o palco. Desapareceram as bandeiras,
surgiu o violão – Yesterday. A música mais tocada no mundo estava ali sendo
dedilhada ao vivo. A perfeição era tamanha que pensávamos ouvir ali algo
remixado. Sem trastejados, o som ecoava suavemente por entre nós, emocionando a
todos que ali restavam. Não encontrávamos forma de agradecer, os sorrisos
saltavam ao rosto, aplaudíamos incansavelmente. Alternando inglês e português,
Paul agradeceu toda a produção do evento, sua banda e nós, os presentes! Disse
que era “hora de vazar!”. Sentou-se ao piano pela última vez na noite e
conduziu-nos a mais um momento de êxtase com uma sequencia impecável: Golden
Slumbers, Carry that Weight e, para sacramentar, The End. Foram quase três horas do melhor que
alguém já produziu no mundo da música. Um evento épico, capaz de unir as mais
variadas gerações, todos ao redor de um mito. A alegria de ter passado por tal
experiência transbordava pelos poros, parar de saltitar e balbuciar as melodias
uma missão impossível. O show estava terminando, a noite começando. O sonho?
Bem, que esse dure eternamente, pois o que ali foi vivido, jamais será
esquecido. Boa noite! (na na na nananana...)
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