quarta-feira, 8 de abril de 2015

Brincando de Frankenstein



 Imagine-se adentrando em terreno desconhecido, muitas vezes até renegado por conta de sua imprevisibilidade, apenas por crer piamente em algo. Veja bem, disse imprevisibilidade, não impossibilidade. Tenho problemas com essa palavra: impossível. Mas a explicação fica pra depois...

  Pois bem, analisando as últimas semanas até o dia de hoje, me senti meio Victor Frankenstein, famoso personagem do romance de Mary Shelley, estudante de ciências naturais que, empenhado em descobrir os mistérios da criação, constroi um monstro em seu laboratório. Não é realmente o melhor tema para uma mesa de bar! " E aí, o que tem feito?" " Então, estou tentando dar vida a um cadáver remendado!". Se não causasse espanto (nos mais inocentes), apenas boas risadas surgiriam em resposta. Seria motivo de chacota!!!

  Mas não, não tenho um corpo em casa. Juro! Mas abracei uma causa como um cachorro fixa seus dentes em um belo fêmur bovino: colocar uma amiga para estrear em um short triathlon em 30 dias. Não, não estamos começando do zero. Quase!! "E por que então você faz isso com alguém??". Porque acredito ser possível!!!

  O "você é retardado" eu ouço mais que meu sobrenome. Está valendo, não ofende!!! Lembro que, quando entrei nessa brincadeira, tinha uma prova de 300 metros de natação + 2100 de corrida e não sabia como fazer pra nadar aquela metragem. Procurei o amigo João Fortes para me dar um apoio. Ele, muito prestativo, aceitou e mandou um "aquece 400 aí". Juro, ri por dentro. Se nadasse 400, seria fácil nadar 300!! Ele desacreditou. Por pouco tempo, pois logo viu que 25 metros eu precisava parar pra respirar. Tínhamos um problema!! Como resolver?? Fácil, treinando!! Nadava todo dia, mas só consegui fazer a marca numa quarta-feira (a prova era no sábado). Gostei tanto da experiência, que saí da prova sabendo o que faria pro resto da vida: triathlon!! E, de cara, me inscrevi no Ironman!! "Como assim, mas você não nada nada, nem bike tem? Até chegar na corrida, que vc manja mais, já estará morto!!!" Talvez venha daí o retardado...

  O que fiz?? Me cerquei dos melhores: Márcio Lazari (mestre), Samir Barel (pra mim, o cara!), Mirtes Stancanelli (nutricionista), Rogério (CT Bike). A vantagem disso?? Mesmo sendo formado na área de educação física, executava cegamente todas as ordens, não precisava pensar ou contestar nada. Não tinha desconfiança no olhar deles, viam ser possível com muito trabalho. Cada ordem, cada toque, cada gesto corrigido, era absorvido. Se está gastando oxigênio, tem que continuar aprendendo. E com muito trabalho, pude aprender muito, o suficiente inclusive para tornar causas improváveis, reais. 

  E foram quase três anos de conversa, toda a minha narrativa calorosa sobre minha paixão pelo triathlon, histórias de treino, provas... coisas que me fazer acelerar, mexer na cadeira!!! E era visível que aqueles olhos que me ouviam, brilhavam!! Parecia clamar por uma chance de experimentar algo daquele tipo. Mas o medo, o comodismo, meio que impediam a progressão natural das coisas. Até que começamos a quebrar o gelo!!!

  A corrida já estava meio que introduzida (afinal, domingo de manhã, quem não está na missa, está em alguma prova de corrida de rua Brasil afora). Então, primeiro vieram os passeios de bike, pernada no autódromo, pedalar a idade no aniversário, acordar de madrugada e pegar a estrada...quem pedala, sabe! Não teve jeito: agora tinha que comprar a bike!! Mas algumas rodagens e, enfim, resolveu começar a nadar na academia que já treinava. Pronto, agora é só marcar a prova!! Quem dera...

  A natação começou e, com ela, vieram alguns problemas!!! Primeiro o medo de água aberta (trauma de infância), de não conseguir completar a distância, de beber água... como não tinha familiaridade com o meio aquático, isso era amplificado! E de receio do meio aquático eu entendo bem!!! Mas sei também que só tememos o que não controlamos. Sabia que, antes de tudo, ela tinha que estar confortável com a natação e só assim os outros traumas poderiam ser deixados de lado. Mas parece que só eu pensava assim... 

  Primeira professora da academia e um "O que??? Você é louca! Entrar naquela água?? Ali tem gente morta, você não vê o fundo... eu que sempre nadei, não entro...". (Aqui meu obrigado pelo poder encorajador da prof aí!!! Ajudou pra caramba!!). Veio o segundo e, já com meios e irons nas costas, embarcou na loucura: "vamos lá! Vai ser duro, mas dá-se um jeito...". Ótimo, sabia com quem deveria deixá-la treinar!! Veio a terceira professora e mandou um: " Nadar nesse nível de condicionamento?? Se eu fosse você, chamaria alguém pra nadar junto contigo". Não faz isso campeã, ajuda aí...  Agora, se no meio aquático (quase) todo mundo queria abortar o projeto, imagina fora da borda? De "você é louca" pra cima. E isso parecia estar minando-a.

  Pois bem, abriram-se as inscrições para o SESC Triathlon BSB e, sem pestanejar, falei para inscrever-se. Aloprei tanto que, enquanto não enviou o comprovante, não parei de mandar mensagem!!! Ótimo, agora tínhamos 30 dias contados para nos prepararmos. Mas claro que, logo de cara, um feriado de 5 dias já encurtaria o projeto. Entramos nessa semana (já na casa dos 20 e poucos dias) e mais um balde água fria na aula de natação. Enquanto cada desconfiança trazia o medo a ela, isso me fazia querer cada vez mais o sucesso do projeto. Mas de longe não poderia fazer muito pela parte da água. E agora??

  Agora? Simples: vai pra perto então. Acompanhei o treino de terça (com o único prof. que abraçou a causa), mas via que realmente ali estava difícil tirar o que precisávamos. Lembrei-me dos tempos de ELO, raias com cinco revezando, Samir regendo a todos com seus dois cronômetros incansáveis, cada um com seu objetivo, mas o trabalho era em equipe. Estávamos ali para ajudarmos uns aos outros. Uma grande família. Por isso voltávamos todos os dias!!! Mas aqui não era assim. Tem-se o professor, mas parece ser apenas o responsável pela piscina. Sabe muito, mas como não é uma equipe, não consegue separar os níveis por raia, construir uma evolução conjunta, enfim, trazer o atleta pra cima. Tenho certeza que, tendo uma equipe de natação, faria um excelente trabalho. Mas não é o foco da academia. Então vi que deveria intervir. Resolvi fazer de um conselho, uma estratégia de treino: vamos nadar juntos!! Assim, poderia ditar o ritmo, controlar a ansiedade dela e ver por quantos metros permaneceríamos sem precisar encostar na borda ou raias. Pra ficar ainda melhor, piscina de 50 metros: menos zig zag, mais volume d'água... parecia promissor.

  Logo cedo estávamos no clube, conversamos um pouco sobre o que faríamos e caímos na água. Primeiros 50 metros cachorrinho, peito com a cabeça alta... apenas passando o que poderia ser feito se precisasse descansar. Acertamos os últimos detalhes e fomos. Sabendo que a criatura tem uma pernada de 30 tempos por braçada, já retardei bem o nado, deixando duas opções: me atropelar ou nadar devagar. Por sorte, ela escolheu a segunda. E assim fomos: 100 metros, 200...eu aproveitando a respiração pra acompanhá-la e, ao ver que parava, encaixava o peito. Ela descansada, mandava um "vai" e seguíamos. Com o passar das piscinas, pareceu que ela tinha entendido a mecânica da coisa. As pausas era muito menos frequentes, mais curtas e o ritmo bem mais firme. 500 metros, 600, 700, fizemos a último contorno e aí soltei para que fizesse os 50 metros finais sozinha. Perfeito!! Concluímos em 37 minutos, com conversas (o que atrasou bem nossa primeira metade. Mas logo calei a boca!). 

  Pronto, quebrávamos ali o tabu que seria impossível nadar os 750 metros. Via-se que tinha tirado um peso dos ombros. Pra mim, foi como encarnar Victor Frankenstein e ver o zumbizão costurado tendo seus primeiros espasmos de vida. A partir dali, poderíamos mudar o foco da conversa: trataríamos de como fazer melhor!  Já não se perderia mais noites de sono pensando na impossibilidade de cumprir a etapa da natação.  Isso era passado. Retardado sim, descrente jamais!! Não me venha com essa conversinha de "impossível".

   O mais louco (piegas talvez??) é que vencemos a barreira da água no Dia da Natação (08/04)!!! Talvez soe bobo mesmo, mas quem nunca suou frio, nunca perdeu uma noite de sono pensando se conseguiria sair vivo da água (seja 3800 metros, seja 750), não entende o que é ser bem sucedido nesse quesito. Ah, e não posso esquecer de relatar que não fomos direto para o clube. Antes disso, tínhamos pedalado 24 km no autódromo e corrido 3 km. O treino do dia já estava feito. A natação foi pro santo! Agora, que venha 3 de maio, pois aqui é objetivo estabelecido, objetivo conquistado. Impossível é ser diferente disso!! Parabéns Fran!