É chegado o mês de maio e
com ele a contagem regressiva para o grande dia. Agora não são mais meses,
estamos falando de dias. E são poucos, muito poucos. Especificamente, serão 24
dias até o Ironman, mas de treino apenas 20. Para quem começou a treinar no dia
8 de abril, eis a marca medial de toda a preparação. Então, hora de avaliar o
que foi feito até aqui.
A metragem do Iron já é bem difundida, mas
para massagear a memória retomemos aqui as marcas: 3,8 km natação, 180 km
ciclismo, 42,195 km corrida. Ironicamente (pois fora minha grande preocupação
em 2012) a natação acalma os ânimos na preparação. Sinal que, pelo
menos, podemos começar bem o dia na ilha da magia. Agora pedalar 180 km e
correr uma maratona? Nem no auge do meu otimismo conseguia visualizar tal
feito até pouco tempo atrás. Estava a um ano sem treinar e, por serem medidas consideráveis,
precisaria de muita rodagem e reza para vislumbrar alguma esperança de êxito na
empreitada. Checagem geral na bike, hora de fazer o primeiro treino externo.
Dia
1
Quando se fala de longão de ciclismo, há uma
certeza: o dia começa cedo. Às 6 horas já estávamos rodando por Goiânia. O
destino? O autódromo da cidade – único lugar praticável por aqui. O problema
era chegar até lá, pois em meio a ruas esburacadas e ausência de acostamento
(um metrinho magro, sujo e inclinado), ainda tinha que atentar aos motoristas
perturbados que rodam pela região. Por muito evitei tal aventura, mas agora não
poderia postergar mais. Já percorrido o perímetro urbano, iniciando o trecho de
estrada, uma pancada em uma massa de asfalto e a primeira baixa: pneu furado.
Na hora vieram as lembranças de quantas milhões de trocas já havia feito na
vida, furos seqüenciais que ocorreram ao longo dos treinos e assim toda a
euforia do momento deu lugar à realidade e aos percalços do ato.
Estava perto de um posto e optei por retornar
e encher no compressor para ter maior precisão. Troquei a câmara, enchi e
surpresa: estava vazando. Retirei, coloquei outra câmara (a última que tinha
comigo) e deu certo. Aproveitei o momento e remendei as outras, pois, caso
viesse a furar novamente, seriam úteis. De novo na estrada, rumamos para o
autódromo. Cerca de 15 minutos depois já estávamos lá dentro e, para minha
surpresa, o pneu furou de novo. “Jura?”. Já me indignava com a situação: ali
trocando câmara pela terceira vez no dia (e não eram nem 7 da manhã) e uma
galera girando na pista. Ok, aceito. Câmara posta, cheia, roda encaixada, hora
de girar, certo? Errado. Dois metros em cima da bike e o pneu murchou de novo.
Ali tive a certeza que o primeiro dia seria para afinar o lado mecânico. Troca
câmara, remenda as furadas e, após uma hora de uma dura batalha, consegui
colocar a bike na pista. Voltava a sentir o vento no rosto com uma constância
digna de ser denominada treino. Agora era somar voltas.
A meta do ciclismo era simples: fazer 150 km
antes do Iron. Em um percurso de 3 km! Lembro-me de fazer 12, 15 km em uma
pista de 400 metros correndo e ali aprender a controlar a ansiedade, a pressa
de acabar, a focar no objetivo, abstrair maus pensamentos... Agora o nível
havia subido, o número de voltas também, e o tempo despendido então nem se
fala: seriam quase 6 horas rodando! Duro.
Mas não foi na primeira tentativa. Talvez por
já ter perdido muito tempo com as trocas, somado ao meu despreparo físico e
temperado com um pneu que parecia querer esvaziar a qualquer momento, pareceu
mais sábio abortar o treino enquanto podia pedalar. Foram apenas 50 km rodados
no dia e o sabor amargo do fracasso a marcar cada gole d’água ao longo do dia.
Tentaríamos de novo e seria no dia seguinte.
Dia 2
Era noite quando o
despertador tocou. Uma mistura de raiva e euforia não permitiram ao menos
titubear ao primeiro sinal de despertar. Devidamente fardado e com a tralha de
treino organizada, retornávamos para a estrada. Ciente das condições do asfalto
até o destino final e calejado pelo dia anterior, um mantra surgiu à cabeça:
“tire o peso”. Praticamente pedalava em pé, assim permitia uma melhor
distribuição de carga entre as rodas e, caso atropelasse um maldito monte de
asfalto, talvez não tivesse o pneu estourado (quem disse que não servi para
nada os 4 anos de Física!!!). Atravessado o perímetro urbano, iniciamos o
trecho de estrada, um cume de onde temos uma visão panorâmica do horizonte,
quase como se pudéssemos ver o futuro. A alguns quilômetros dali repousava o
autódromo, envolto em uma névoa aconchegante, quase como uma manta. Por trás
dele o Sol já anunciava uma novo dia, uma nova chance. Sem grandes surpresas,
fomos para a pista.
Já havia alguns ciclistas treinando. Algumas
bikes dignas de foto, verdadeiras máquinas. Outras mais simples. Muita gente
ali praticando pelo hábito saudável, nada de pressão de treino ou coisa parecida.
Acordam cedo e colocam a magrela para rodar por puro prazer. Outros tantos
treinando forte, dia após dia, sob Sol ou chuva, sem pestanejar, por puro
prazer!!! E no meio disso tudo, iniciamos mais um somatório de voltas.
Por ter um percurso bem variado, a velocidade
varia muito (principalmente se estiver fora de forma para escalar!!), mas
permite que se faça uma média razoável. Tentando não forçar demais e buscando
uma volta negativa, passei a controlar a empolgação. Sabia que não
resolveríamos aquilo em uma volta e, se não tomasse cuidado, a coisa poderia
ficar feia a qualquer momento. E assim fomos: uma hora, duas horas, 30, 60
km... e então, quando já passávamos dos 80 km, o segurança do autódromo deu por
encerrada a sessão de treino. Iria começar o treinamento da moto velocidade.
Com energia de sobra, mas sem muitas opções, voltamos pra casa, tentando
alongar um pouco o percurso, mas com uma perda considerável de ritmo, pois
rodar dentro da cidade é inviável. Fechamos o dia com 105 km e uma média de 27
km/h. Razoável, mas ainda faltava um tanto para os 150 km.
Uma semana se passou e estávamos de volta ao
palco do ciclismo goiano!! Antes de chegar à pista, passamos pela área dos
boxes e eis que os vejo ali, parados estáticos e imponentes. Verdadeiros
monstros motorizados que, caso decidissem disputar território com as magrelas,
fariam um estrago descomunal. Seria semana de Fórmula Truck e algumas máquinas
já repousavam por ali. Entrei para treinar certo que deveria manter o sensor de
alerta ligado. Sem surpresas.
Treino fluindo normalmente, as voltas viam se
somando bem, a perna estava mais solta e logo percebi que a média de velocidade
estava aumentando. Começava a marcar 28 km/h. Se conseguisse manter esse ritmo
no dia do Iron, fecharia o ciclismo em menos de 7 horas. Começava, enfim, a ter
esperanças de acabar a ciclismo (leia-se bem – CICLISMO. A maratona após é
ooooutro problema). Rodávamos sofrendo as mesmas variações de ritmo, sem muitas
novidades quando, sem muita cerimônia, um dos brinquedinhos adormecidos resolve
dar um role pela pista. Sai bem à minha frente, todo pomposo. Era tão grande
que fez até sombra! Vi ali uma oportunidade única: andar na roda de um caminhão
(andar na roda de bike é para os fracos!!!). Mas rapidamente digeri tal ideia,
pois residia ali uma imensa probabilidade de conseguir me machucar feio!!. Ele voltou para os boxes, eu para o treino.
Ao passar pela linha de chegada, ficou claro
que não tinha nenhum guarda sinalizando para interrompermos o treino, o que
preocupava mais ainda, pois estavam entrando na pista com todos os ciclistas
ali. A essa altura o sensor já soava histericamente. Difícil relaxar com tanta
pressão. Volta a volta uma espiadinha nos boxes para “sentir” o clima. E então,
já no meio do circuito, um motor estridente urrava às minhas costas. Não era de
caminhão, mas vinha com muita pressa. Sem pestanejar, joguei para o lado e
tentei ver o que era. Um corsa pau velho sem noção vinha a todo vapor fazendo
sua “voltinha” sem ao menos considerar os que ali estavam. Percebi que os
ciclistas que ali ainda rodavam, já se arremessavam para fora da pista,
tentando escapar da estupidez daquele indivíduo. Trilhei o mesmo caminho e, ao
sairmos todos, chegou enfim o responsável por avisar-nos da interdição da
pista. Um pouco tarde, já estava feito o trabalho.
Mais uma vez expulso, novamente com 100 km
rodados. Parecia impossível conseguir o tal 150 km. Vivia a utopia que o
problema, ao menos, não era comigo. Apenas não me deixavam completar toda a
distância. Um pouco de massagem para um ego assustadoramente fragilizado.
Dia
4
E como burlar a sorte e não ser expulso do
autódromo? Simples, chegando mais cedo. Às 5:30 da manhã já dava início ao
treino. Tudo muito escuro, com uma iluminação precária, o medo de enfiar a bike
em algum buraco, desnível, tronco, sei lá, corria sob a pele. Conduzia-a na
ponta dos dedos, tentava chegar à autoestrada ileso. Deu certo, mas lá a
questão da iluminação piorou. E muito!!! Não enxergava nada, pois não havia um
poste sequer funcionando. Agora era na reza até a porta do autódromo.
Superados os primeiros obstáculos do dia,
chegávamos ao local do treino. A noite ainda reinava, os portões cerrados, o
frio da madrugada não deixava aqueles que ousaram enfrentá-lo esquecer o
conforto de suas camas. O guarda ainda preparava seu café sob uma luz
incandescente fraca, talvez a única fonte de calor ali presente. Anunciando estar
aberto o portão, sem ao menos ousar colocar-se para fora da guarita, permitiu
minha entrada. Era o primeiro do dia. Parecia que o tempo estava a meu favor.
Rumei para pista e prontamente a contagem de
voltas foi iniciada. Seria, literalmente, uma corrida contra o tempo. O Sol,
como se tivesse aproveitado bem o feriado do dia seguinte, preguiçosamente
resistia a surgir. Lentamente o horizonte ganhava seus tons alaranjados e a
noite transformava-se em dia.
Enquanto isso alguns ciclistas já chegavam
para suas sessões matinais. Todos ali tinham seus compromissos, suas metas a
cumprir e um dia a dar continuidade. Permanecia ali a observar toda a
movimentação. Grupos sendo formados, alguns ainda pedalando sozinho, ritmos
diferentes, e com essa espécie de rodízio, fazia correr as horas. O
tempo passava agradável, suave, a quilometragem subindo a cada volta e a espera
por um número no visor embalava todo aquele esforço: 150 km. Os primeiros que
ali chegaram já não estavam mais, os pelotões que rodavam juntos desfizeram-se
com o passar das horas. A pista ia ficando mais vazia, o Sol já castigava quem
permanecia naquele descampado, mas a quilometragem continuava subindo e isso
bastava para continuarmos.
A marca de 100 km veio abaixo. Com os
suprimentos escassos, a coisa parecia querer apertar, mas ainda era
confortável. Vieram os 120 km e a vontade de parar foi grande. Com os 20 km de
ida e volta, já teria 140 km, estaria bom por demais, não? Não! A meta era 150
km e só pararia de pedalar quando o ciclo marcasse tal número. A essa altura já
era difícil imprimir um ritmo mais forte. As descidas feitas a 42 km/h agora
beiravam 35, as subidas nem merecem comentários. Ainda assim conseguia manter
uma média de 28.5 km/h, uma boa marca.
E assim, já totalmente sozinho (novamente)
naquele deserto, conseguia fechar 132 km rodados dentro do percurso (divida por
3 e terão a quantidade de voltas!!). Apaguei as luzes do salão, fechei a porta
e parti para estrada! Tinha meus últimos 10 km para bater a meta. E claro que,
como uma sina, a volta tem uma subida extremamente íngreme, violenta, daquelas
que se tem vontade de descer da bike e empurrá-la até o topo (eternizando a
subida da Ambev!). Não teve jeito: volantinho na bike, giro alto e movimento
quase inercial. Vencido o morro, agora era só alegria. Acabamos o trecho urbano
(extremamente esburacado, cheio de trepidações... um lixo), fechando em 151.51
km de treino, 5:37 de tempo total, encostamos a bike em casa e, sem tempo para desfrutar
de todo o desgaste adquirido, calçamos o tênis e partimos para os 30 minutos de
corrida. Sim, nunca acaba no ciclismo! Agora era cuidar da corrida, mas isso já
é outra historia. Por hora apenas deliciar-me com a possibilidade de completar
o percurso de 180 km no dia 26 de maio.
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