sábado, 12 de maio de 2012

Persistindo

   

     Uma semana! Esse foi tempo que passamos planejando o treino deste sábado. Recrutamento de pessoas, horário, local de encontro, tudo para conseguirmos reunir o maior número de participantes. Após um hiato de 5 dias, estava louco para voltar à estrada. Ansiedade, euforia, sensações que se confundiam ao longo da semana, fruto de uma espera. Era o retorno, tinha que dar tudo certo.

     Os dias se passarem e, enfim, chegou sexta-feira. As mensagens "bombavam" na internet, todos alucinados pelo encontro da manhã seguinte. Última checada na bike antes de dormir, preparativos para o treino, equipamento e vestimento ok, poderia me entregar a uma merecida noite de sono.

     O plano era simples: acordaria mais cedo e iniciaria o treino antes. Saindo de casa às 6, rodaria uma hora até o horário marcado pelo grupo. Faltam apenas 15 dias, agora os treinos são carregados com precisão, atenção aos detalhes. Cada sessão é regida pela palavra "qualidade". Não é hora de gastar energia à toa, mas priorizar uma boa execução. Seguindo o planejamento, cumpriria à risca minha planilha. Certo que havia deixado tudo em ordem, fui dormir.

     Então, meio perturbado, sob efeito de um remédio para gripe, tive a nítida sensação de que algum som adentrava minha mente. Estava sonhando? Parecia muito real e, como se não quisesse acreditar, fui recuperando os sentidos e pude observar que, a exatas 3 horas do início do treino, forças maiores conspiravam contra nosso planos. Chovia, e chovia muito! Seria impossível (e imprudente) nos lançarmos estrada afora. Fiz o que restava fazer: voltei a dormir e esperei que passasse.

     O despertador então tocou: 5:40 da manhã. "E o tempo?". Nada, ainda chuvoso. Permaneci deitado, pairando entre os sonhos e a realidade. Então, a primeira mensagem. Um dos que fariam o treino indagava sobre as previsões. "Parece que não vai ser hoje!". Realmente nada levava a acreditar no oposto. Mais uma cochilada e o segundo telefonema. Mais um. Dessa vez a conversa tomou outro rumo. Luisão e eu decidimos que ficaríamos à espera de uma trégua para tentar realizarmos o treino.

     E ela veio. Quase dez horas da manhã, já sem chuva, mas com o chão ainda bem úmido, decidimos que valia à pena tentar. Troquei de roupa, arrumei a bike e, quase partindo, resolvi observar mais uma vez pela janela. O dia estava cinza, carregado, como se estivesse à espera daqueles que tentassem desafiá-lo. Correria o risco, mas por via das dúvidas, coloquei uma blusa de frio, certo que não seria zelo demasiado.

     Nos encontramos no ponto pré estabelecido e partimos para estrada. E, logo nos primeiros metros, ficou claro que o dia seria longo. Ao sairmos da primeira curva, como se estivesse escondido atrás do muro de proteção, um vento alucinante começou a soprar contra. Era como se não quisesse que continuássemos. Estava empenhado em fazer-nos desistir. "Não tão cedo". Seguimos adiante, descidas resistidas, subidas quase em velocidade de caminhada. Não era o retorno que esperava, mas resolvi usar aquele momento a meu favor. É sabido que em Florianópolis o vento castiga, e muito, no ciclismo, além de ter quedas bruscas de temperatura. "Estaríamos então em processo de aclimatação?" Poderíamos dizer que sim! Luisão, já conhecedor da prova, confirmava com um sorriso marcado, digno de alguém que carrega as marcas deixadas por uma prova dessa magnitude. "Quem disse que iria ser fácil? Isso é Ironman, meu filho!". 

     "Nada é tão ruim que não possa piorar". Frase típica de pessoas pessimistas certo? Talvez, mas foi a primeira coisa que pensei quando, ainda em Jaguariúna, olhei para baixo e vi meu pneu traseiro murcho. "Só faltava essa!". Paramos, desci da bike e vi que, mesmo vazando, parecia um firo pequeno. Resolvi encher o pneu e seguir. Valeu a tentativa, mas não passamos de Holambra. Fui obrigado a parar (novamente) e, dessa vez, trocar a câmara de ar. Fizemos todo o processo e retornamos para a pista. Primeira subida, Luiz puxando, eu olha para baixo e o que vejo? Sim, pneu furado de novo. Não, impressionante. Havia feito uns 500 metros apenas com aquela câmara. Começava a creditar que seria melhor ter ficado dormindo. Tentei tirar os maus pensamentos da cabeça. Lá embaixo, quando estiver valendo mesmo, será tudo um jogo mental, qualquer pensamento negativo e você põe tudo a perder. Mantive o foco, fiz a troca e seguimos.

     Parecia que dessa vez tinha dado certo. O pneu, meio murcho sim, mas não furado, dava sinais que não seria necessário me preocupar com ele novamente. Já o vento... continuava implacável. Era como se estivesse se deliciando ao castigar dois desaforados, que persistiam em uma peregrinação por ele proibida. Ainda bem que estava acompanhado. Se estivesse sozinho, talvez cedesse à pressão. Porém, era confortante olhar para o lado e ver que não estava sozinho. Havia ali mais um demente dando a cara à tapa e seguindo adiante. Senti-me contagiar novamente, reenergizar. Seguimos com o plano.

     Decidimos que pedalaríamos até Mogi e retornaríamos. Antes do retorno, uma parada no posto policial e mais uma inflada no fatídico pneu (não havia enchido o suficiente). Pegamos o retorno e então surgiu a pergunta: "E o vento, faria o retorno também?". Já experimentara tal situação, encarando ao longo de todo o percurso e, por isso preferi aguardar que apontássemos do outro lado da estrada para saber. E, como se penetrássemos em uma bolha, um túnel, um ambiente completamente fechado, o vento parou. Nem uma brisa, nada! Era como se recebêcemos uma bonificação por termos chegado ali.

     Mais que depressa, propus aumentarmos o ritmo. Não sabia o quanto duraria aquela calmaria, mas tinha certeza que deveríamos aproveitá-la ao máximo, percorrendo o maior trecho possível naquelas condições. Estávamos extasiados, ainda não acreditando em tamanha sorte que tivemos. O pior havia passado, a realidade era outra, o pedal fluía naturalmente. Até o céu parecia mudado, com um Sol tímido tentado se desvencilhar das nuvens. Definitivamente estávamos sendo agraciados!

     Em condições tão favoráveis não poderia ser diferente e, rapidamente, já havíamos percorrido metade do caminho de volta sem maiores problemas. Em meio a muitos aclives e declives que delineiam a região, e um tráfego leve, mas considerável de carros e caminhões, ouvi um estalo. Soou com um objeto metálico chocando-se com o chão. Estranhamente, tal ruído me pareceu familiar. Rapidamente levei a mão ao bolso da camisa e me dei conta que algo havia sumido: minha bomba. Semana passada esquecera-a em casa, o que me fez abortar o treino, hoje já havia necessitado de seus serviços por duas vezes. Não podia simplesmente deixá-la para trás. Fiz meia volta (quase terminando uma subida, Que dó...) e voltei à procura. O Luiz, que à essa altura já devia estar querendo me matar com tantas paradas (desculpe-me Luizão!!), ficou se entender nada, mas veio atrás. Fui até a base da "montanha" e nem sinal da bomba. Então, já em subida, percorrendo com os olhos todo o acostamento, como se mapeasse a área, visualizei o tal objeto metálico. Recoloquei-a no lugar e partimos, na esperança de só parar em Campinas.

     E assim fizemos os últimos 10 quilômetros de estrada, sem muitos problemas "naturais", com um ritmo aceitável e já nos aproximávamos do ponto de separação. A partir dali, cada uma par seu canto. Nos despedimos. Ele seguiria rumo ao Taquaral e eu pegaria a Dom Pedro. Peguei o acesso e, como se estivesse vivenciando um dejà vu, senti um solavanco contra a bike. Quem voltara para me acompanhar até o fim de minha jornada? Sim, o próprio. Sem perdão, e disposto a fazer dos meus últimos 7 quilômetros algo inesquecível, ele me empurrava para trás. Podia sentir suas mãos em meus ombros. Eu, já arqueado de tanto cansaço, remava para conseguir completar a última subida do dia.E pronto. Agora era descer. Descer com ou sem forças contrárias. Dali em diante não precisava mais me preocupar. Era só chegar em casa e daria fim a mais um treino. Sim, foram muitos percalços, forças da natureza pareceram empenhadas em desiludirmos. Era como se estivessem acomunadas com o diabinho da preguiça, construindo logo cedo o ambiente perfeito para uma bela amanhã sob os edredons. Mas faltando tão pouco tempo, qualquer pequeno obstáculo que conseguimos transpor, reflete de uma forma avassaladoramente positiva. Nos motiva, deixa-nos confiantes. O grande dia está chegando e, com ele, uma série de desafios e dificuldades. Mas também haverá muita diversão. E o melhor de tudo: em momento algum se estará sozinho.Quando alguém pensar em abaixar a cabeça, olhará para o lado e verá mais mil, novecentos e noventa e nove pessoas sofrendo junto. Poderá dali buscar inspiração, acreditar que consegue e continuar. É, realmente ninguém falou que iria ser fácil. Que venha o grande dia!

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