terça-feira, 29 de maio de 2012

Epílogo - Parte 2: início, meio e fim!

     Logo às 3:30 da manhã estava de pé. Precisava levantar antes de todos, preparar meu café preto, comer meu mamão...Lá pelas 4 da matina a galera começou a surgiu. Pouco a pouco iam dando o ar da graça na sala, as conversas paralelas surgindo e, de repente, tínhamos até trilha sonora: Coldplay entonava "Clocks" para levantar os que ainda desacreditavam de estar de pé tão cedo.

      Nos juntamos aos demais membros da delegação campineira (Lincon Ikeda e Luis Natal) e rumamos em direção à largada. Ainda noite, madrugada fria, mas ainda sim com o céu limpíssimo, totalmente estrelado. Bom sinal! Chegamos à largada, Special Needs entregues, fila para numerar, última passagem pela bike, pneus calibrados e, já pressionados pela organização, adentramos à zona de transição para nos trocarmos.

     Vaselina por todo o corpo (não, essa piadinha não vai colar aqui!), roupa de borracha, óculos, touca, água e um gel de carbo. Estávamos prontos, todos vestiam suas armaduras, seus capacetes verdes reluziam no ambiente e, em um mix de empolgação e foco, deixávamos em fila as tendas em direção à praia. Foi então que, ao sair a céu aberto e pisar na praia, pude contemplar tal imagem. Estaria ali o segredo para tantos pagarem 600 dólares (agora $700!!!) anos seguidos? Não sei, mas já começava a fazer sentido.



     Um pouco de tumulto para entrarmos no pórtico de largada, mas rapidamente todos já mantinham o olhar fixo no horizonte, visualizando a primeira boia, repassando a estratégia, tentando deixar os bons pensamentos fluírem. E então, como um golpe vindo do desconhecido, o transe é quebrado por um barulho ensurdecedor: uma corneta urra na silenciosa manhã de Jurerê e aqueles que até então pareciam meditar, como se ordenados por seu general, se lançam ferozmente contra o mar, dando inicio ao espetáculo. Um longo dia estava por vir.




     Duas mil pessoas ao mar. Deixei que todos se horizontalizassem, pois assim saberia o quanto tinha de espaço e por onde nadar. Caí na água, visualizei a primeira boia e comecei a natação. Logo nas primeiras braçadas, um  conselho me veio à cabeça: "acelere a braçada, sem força, para vencer a correnteza". Samir Barel havia me dito isso logo após nosso último treino. Valew Samir!!! Navegando bem, senti que progredia por entre aqueles que muitas vezes pareciam não saber para onde rumar. Contornei a primeira grande boia, alguns safanões para me livrar do bolo, segunda boia e rumamos para praia. Então o primeiro problema: não tinha claro onde deveríamos sair na praia. O referencial de navegação estava ok, mas seria ali o local por onde passaríamos? Logo descobri que não e que estava um pouco à esquerda do ponto de chegada. Consertei no nado, fiz a passagem em terra, água pra lavar a boca e água de novo. Segunda perna da prova.

      De cara ficou claro que a coisa mudara. O mar estava diferente, ondulava mais, uma corrente retinha o nado. "acelere a braçada, acelere a braçada...". Encaixando bem o nado, consegui me fazer deslocar e, novamente na muvuca, fiz o contorno da terceira boia. Poucos metros à frente e a última boia. A partir dali era voltar para terra firme. " Se for para errar, erre para esquerda". Eduardo Mariutti havia me dito pouco antes da largada. Achei meu referencial em terra e parti. A tenda do evento estava no extremo direito da praia e eu tendendo a esquerda. "Hum, não vai dar certo...". Comecei a "endireitar" o nado e, mais perto da praia, pude ver que a saída era sim na extremidade direita, justamente onde evitara ir. Consertei novamente na braçada e, ao ver a areia aparecer no fundo d'água, não me contive e dei uma boa gargalhada (ainda submerso. Em tempo de me afogar...). Corri para a praia e, em meio a uma gritaria ensurdecedora e a mente embaralhada de tanto sacudir, corri para a primeira transição.

     Pra tirar a roupa de borracha é simples, brincadeira de criança: um staff te chama e você, inocentemente, vai. Quando está bem perto ele te para e o empurra para trás, onde um coleguinha dele já está ajoelhado rente às suas pernas. Enquanto despenca, ele agarra a roupa e puxa. Antes de bater no chão, você está pronto para pegar a bike! Mentira, fora o empurrão, o resto é verdade. Muito rápido. Troquei de roupa, peguei a matula, afivelei o capacete e fui pra bike.

     Garmin no braço com apenas uma função: mensurar a frequência cardíaca. Em cima disso saberia se não estava exagerando. Um começo meio sinuoso, ruas de paralelepípedo, buracos...tenso. mas foi só pegar o asfalto e o pedal começou a fluir. Clipei na bike e mandei ver. Queria fazer uma boa primeira volta e segurar na segunda para correr bem. E fui. Fazendo bom uso de toda a estrutura da prova, completei os primeiros 90 km bem e parti pra segunda volta. Paralelepípedos, asfalto, subida do cemitério (quem veio primeiro: o cemitério ali existente ou o primeiro ciclista morto de cansaço?). Pesado, mas passou. Uma descida alucinante permitiu tirar a diferença e retomar meu ritmo. Estava muito forte. "Em quanto está minha frequência cardíaca?". Ao olhar para o meu punho, apenas o fundo do Garmin. Ele se auto destruíra sem aviso prévio. Fitei aquilo atônico, desacreditando na cena. Acabei a descida, respirei fundo, desafivelei o que restara e pinchei longe. Pronto, um problema a menos! O braço ficou até mais leve. Fiz o restante do percurso e adentrei em Jurerê para completar o pedal. Me sentia bem, sem dores musculares, bem nutrido, hidratado. Agora era hora de me divertir. Entreguei a bike, calcei o tênis, viseira e saí pra correr.

      Tinha algo muito claro: não correria em subidas. Apesar de estar me sentindo bem, estávamos falando de 42 quilômetros de corrida, distância suficiente para mudar tal condição. Conselho do mestre: "faça o simples, o que foi treinado". Parti para os primeiros 21 km, começando bem leve nos primeiros 30 minutos e soltando aos poucos. Logo no primeiro quilômetro um competidor (Marcelo, não lembro o número) puxava a perna cheio de dor. Passei por ele e lembrei que tinha comigo um spray de Salonpas. Parei de correr, tirei o spray e ofereci a ele, que sem pestanejar, aplicou em seus quadríceps. Exagerou na dose, ok. Pensei que ficaria sem, mas preferi acreditar que, se precisa, fariam o mesmo por mim. Segui em frente e, quando começava a gostar de correr, a temível subida para Canasvieiras surgiu. Avistei o Luizão logo acima que, com um pedal fortíssimo, tinha saído pra correr um pouco antes. Aproximei, comecei a andar, conversamos um pouco, voltei a correr, mas ele preferiu segurar. Parti sozinho. Mas uma subida dura, um desfiladeiro para descer, uma curva a direita e pronto: a visão do inferno. Pelo amor, uma reta tendendo ao infinito. Corri, andei, comi, bebi e nem sinal do retorno. Via-se pessoas indo e vindo, mas nunca onde invertiam o sentido. Eduardo Mariutti, Luiza Tobar, Orival, todos voltando e eu indo! Pra onde ainda não sabia. Alguns longos quilômetros depois o tão esperado retorno e, já conhecendo o caminho de volta, ficou fácil trazer o corpo pra casa. Chegamos ao pé do morro. Hora de voltar para o outro lado. Subir andando, descer correndo. Pronto, adentrei a Av. dos Búzios e rumei pra fechar a metade da corrida.

     Quase chegando, avisto Letícia e Muru. "Porra, até que enfim apareceu". Ok Muru, também estava com saudades!! Festinha rápida, uma foto que não deve ter dado certo e hora de completar os 21 km. "2:04 - bom tempo". Eram mais duas voltas de 10 km e pronto. Abri a primeira certo de que o que estava sendo feito até ali surtia efeito. Tendia a andar antes que meu corpo pedisse, mantendo-o relaxado, nunca na tensão máxima. E assim segui ao longo da volta pequena: correndo um pouco, soltando de leve, usando os postos para me hidratar e comer... sem pressa. Fechei a segunda volta e, partindo pra última, um posto de hidratação servindo sopa. "Nossa, esperei por isso o dia todo!". Peguei um copo e me deliciei com ela. Estômago forrado e espírito renovado, voltei a correr. Foi quando cruzei novamente com o Muru que, antes mesmo que eu abrisse a boca, mandou um "não fala nada porque está sobrando aí!". Percebi naquele momento que ele tinha razão. Bem disse o Dedé "o cara que fala as coisas certas na hora certa". Rumei para finalizar a corrida confiante que conseguiria me manter correndo.



     A cada posto de hidratação, um copo de sopa. Aquilo estava me jogando pra cima. Mesmo bem, preferi não forçar o ritmo antes da hora. Conduzi até o quilômetro 39, na tão rodada Avenida do Búzios. A partir dali era dois pontos: o local onde me encontrava e o pórtico de chegada, ligados por uma reta. "A minha reta". Decidi que ali seria deixada a última gota de energia. Iria acabar correndo, e bem! Apertei o passo, imprime um bom ritmo e fixei o olhar nos holofotes que estavam acima do relógio da prova. "É ali que quero estar". E fui.

     Mas o sistema é bruto e, após 11 horas de atividade ininterruptas, qualquer metro faz diferença. Comecei a achar que os quilômetros haviam espichado, que a "gasolina" iria acabar antes da chegada. Limpei minha mente de maus pensamentos, respirei fundo e continuei. 40 km, 41 km, agora não tinha mais volta, bastava chegar.

     E então, de novo, encontrei a dupla Lê e Muru. Juro, o Murilo demonstrou todo o seu fascínio pelo Iron ao longo de nossas conversas antes do grande dia (hoje te entendo meu camarada!), ma a Letícia estava numa euforia... Dava gosto de ver! Não tive dúvidas, convidei-a para chegar comigo. Cara, só quem está ali dentro para dizer o que representa receber um apoio direto, ouvir seu gritado com vontade, ver alguém torcendo por ti. Não seria possível levar a todos até a chegada. Escolhi a melhor representante da torcida Ironman. Saímos correndo juntos por um corredor humano muito estreito. Ela, de tão animada, começou a correr mais rápido que eu! Tive que pedir pinico e gritar um "segura Lê...", senão não chegaria! Adentramos o tapete azul e, bombardeado pelo mesmo holofote que me guiou até ali, fomos recepcionados por uma galera que vibra a cada competidor que por ali passa. Rumamos para o pórtico e, enfim, passamos por baixo do grande relógio. Foi como ser agraciado. O corpo fica em paz, a mente tranquiliza e, por um breve momento, não se ouve mais nada a sua volta. Você para ali, em meio a tantas outras pessoas, e consegue se ver conversando sozinho: "conseguimos!". A última olhada para cima e a pose para foto.

     


     A euforia não passa, a vontade de fazer de novo. O corpo não pede descanso, pede mais, quer mais! Pausa pra massagem, lanche rápido, troca de roupa e comemorar com os amigos. Aqueles que chegaram, os que estão por chegar, os que "apenas" torceram, todos reunidos não deixam que o evento pare, que o dia termine. Impossível explicar!

     Fica aqui meu agradecimento a todos que partilharam comigo ao longo desta Odisseia. Tivemos maus e bons momentos, mas garanto que valeram a pena e que, fácil, faria tudo de novo. Aos meus dois mestres, Marcio Lazari e Samir Barel, responsáveis pelo sorriso na foto acima. Sem vocês essa carinha estaria diferente! Aos meus compenheiros de treino e, por que não, amigos: Luizão, Felipe, Donga, Bruno Zoim, Muru, Dedé, Fernandinho, Ricciarelli, Lanaro, Natal, Lincon, Matheus, Joaozinho, Lê, toda a galera da 3Sports e Elo Consultoria; amigos do dia a dia pelo incentivo; Jorge Coli, meu mecenas, enfim, é gente pra caramba!!! É isso, agora só no próximo grande desafio. Por hora, fica a mensagem abaixo. Valew!


     

2 comentários:

  1. Parabens Leão. orgulho de ver tanto esforço em conseguir seu objetivo! Voce merece. Abraços do Vanessona!

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  2. (ainda recompondo-se da emoção) " Valeu, Thiagão! Você foi brilhante, irradiou alegria e viveu intensamente cada minuto da preparação e da prova com muita lealdade, humildade e dedicação. Temos orgulho dessa amizade e companherismo que compartillhamos nos ultimos meses. Que o espirito ironman 2012 permaneça no seu corpo, mente e alma em todos os dias da sua vida! Um forte abraço do seu aprendiz, Márcio"

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