Era para ser apenas mai um sábado ensolarado, porém o dia 28 de abril já começava com um ar diferente. Entrávamos na contagem dos trinta. A partir dali seriam trinta dias até o Ironman. Uma pressão gostosa de se conviver quando as metas envolvidas estão envoltas em prazer. Para enaltecer ainda mais a data, tínhamos um treino diferente, especial: a equipe iria treinar no velódromo de Americana.
Para alguns apenas mais um treino ali, para outros tudo novo. Pedalar em um espaço próprio, técnico, específico para ciclismo era empolgante. Não saíra de casa esperando entrar em um ginásio fechado, com uma pista montada com tecnologia de ponta. Sabia que caminhava para a realidade brasileira e não me surpreendi ao me deparar com um concreto, arduamente liso, mas com algumas pequenas rachaduras, ditando o caminho, delineado por faixas desbotadas, fruto da dualidade Sol e chuva. Ainda sim a adrenalina continuava alta. Iria experimentar o brinquedo novo, após os ajustes técnicos, pedalaria com boa parte da equipe e, após uma breve olhada na programação do dia, ficara claro que o trabalho renderia.
Enfileirados, como se estivéssemos em um desfile de apresentação, um a um descemos para pista. Cada um conduzia ao lado trazíamos ela, o centro das atenções, o objeto de desejo e admiração, as estrelas do show, máquinas que fazem de nós meros coadjuvantes. Realmente estávamos muito bem amparados no quesito bicicletas. Uma breve explanação do nosso técnico Marcinho e chegara a hora dos cavaleiros montarem aqueles puro sangue e começarmos a trabalhar.
Iniciamos com um aquecimento de 20 minutos. Estava literalmente no zero: em processo de adaptação com a bike, em um espaço totalmente desconhecido, quase elíptico e, o que era pior, com desnível em curvas. Pedalar ali era retomar os primórdios de minha vida acadêmica. Estava a colocar à prova alguns conceitos físicos até então muito mais teóricos do que práticos. Falar de força centrípeta dentro de um veículo é moleza, duro é senti-la em uma curva de 180 graus, onde a sua bike é arremessada em uma rampa de uma altura assustadora. Entra então o segundo teste: força de atrito. Como acreditar que conseguiria escalar aquela parede sem despencar lá de cima? Melhor frear! E em meio ao bombardeio de informações do momento, nos reunimos para iniciarmos o treinamento propriamente dito.
Série 1: duas voltas + um tiro de 200 metros. As duas voltas seria para ganhar giro, velocidade e os últimos duzentos metros deveriam ser feitos na máxima velocidade. Já fui lá para trás da fila. Primeiro queria vê-los em ação, tentar aprender algumas técnicas, ganhar confiança (ou não!), enfim, enquanto pudesse, esperaria. E as voltas começaram. Alguns se mostravam familiarizados com o espaço, outros pareciam travados, formas diferentes de se fazer o teste. Resumindo, seria do meu jeito. E fui.
Aproveitei bem as duas voltas. Tentava achar a marcha que faria, se cliparia ou não, como procederia no momento exato. Preferi não clipar, pois não estava à vontade para passar forte e fechado na curva. Achei mais prudente segurar no guidão e deitar-me na bike. Abri os 200 metros forte, fiz a curva e finalizei. O tempo? Não sei. Juro! Esqueci de perguntar, mas isso não era o importante. Sabia não ter feito grande coisa. Fomos confrontados sobre a sensação do teste, que achou ter feito o melhor, quem perdeu potência no final, quem achava que poderia fazer mais. Quase nenhum de nós estava contente. Entrou o personagem do técnico. Explicando a forma correta de se fazer o teste, a importância do giro do pedal, a necessidade de se usar a rampa. Sim, deveríamos em um dado momento jogarmos a bike no ponto mais alto e atacar de lá a largada. Mais física no dia! Era óbvio que sairíamos mais veloz assim. "Quem quer tentar outro tiro?" disse Márcio. "Eu não" pensei. Dois foram: Marcelo Filé e Murilo Barizon (o "gringo de Itapira"). O doutor Murilo mostrou ter absorvido os ensinamento brilhantemente: fez suas duas voltas de aquecimento e, antes de abrir o tiro, subiu muito alto com sua bike e, tendo a performance sendo narrada a nós pelo Márcio, conseguíamos captar os mínimos detalhes daquela volta que beirava a perfeição. Resultado: melhor tempo do dia. Hora de irmos para a segunda série.
Série 2: iríamos rodar em dupla, com velocidade pré determinada, revezando a "cabeça" a cada volta. Um exercício para aprendermos, mais que andar na roda, a nos comportarmos em grupo, sabendo aproximarmos e recuarmos sem adentrar nos espaços laterais, comprometendo outros companheiros de treino e competidores. Série simples e sem muita emoção.
Chegado a grande momento. A série 3 era composta por um contra relógio de 30 minutos, individual, sem vácuo, onde daríamos o máximo. Já tínhamos uma hora de treino, o velódromo não era mais um ser estranho para mim, a física ali presente estava compreendida e sentia-me bem para fazer uma boa volta. Cada um marcando seu tempo, partimos.
Sem o ciclocomputador o treino todo e com meu Garmin em uma posição desfavorável de se ver, percebi que não saberia com quanto de média estava rodando. Fiz a primeira volta, a segunda e então fui ultrapassado. "Bora playboy", disse o Donga. "Oh loko, aí não". Apertei um pouco o ritmo. Sabia que estava aquém do que podia render, mas não queria forçar muito. Encaixei um bom ritmo e, sem muito esforço, comecei as ultrapassagens. Sempre que podia entrava na rampa e me jogava de lá. Delícia! O que já estava rápido, aumentava! E assim fui tocando quando, sem demonstrar nenhuma feição de esforço, vejo o Dedé passando ao meu lado. "Puta alemaozinho forte!". A essa altura já estava rodando a 40 km/h e o rapazinho nem tomou conhecimento. Continuei forte, peguei o Donga, paguei a volta e então de novo. Mais uma do Dedé. "Não é possível!". Já dera 3 voltas em alguns, 2 em outros e, quase acabando o treino, tomei outra volta do Dedé. O pior era vê-lo com a mesma cara de quando começamos o aquecimento pela manhã. Simplesmente não demostrava cansaço.
Fechamos a série, fizemos um soltinho de 10 minutos e encostamos as bikes. Era hora de recarregarmos. Reposição hídrica, suplementar, o coach parabenizando todo mundo, dei uma checada no Garmin para saber da média. Chocado, vi que tinha colocado 38,6 km/h no total e de uma forma controlada. Um resultado espetacular para mim. A molecadinha veio comentar e tudo. Legal ver que estamos progredindo! Me meio à conversa fiada, chamada de leve do Marcinho para a última parte do treino: a corrida. Trinta minutos (interno ou externo).
Dedé, Donga, Dr. Muru e eu optamos por desbravar a cidade de Americana.Óbvio que correndo com esse tipo de gente, a corrida não seria moleza. Dois a dois seguíamos pelas ruas da cidade, em meio a carros e pedestres, atravessando ruas e pontes, em um ritmo alucinante. Bateu a curiosidade e resolvi consultar o pace que estávamos. Um susto ao ver que rodávamos a 4:20 por km. Era bronca na certa do Marcinho! Fazer o quê? Agora era acompanhar e finalizar o treino. Fizemos 15 minutos pela cidade, voltamos para o velódromo e acabamos, já em um ritmo mais tranquilo, por lá.
Fim do treino, início de mais um ciclo. Um dia bem motivante, cheio de boas notícias, bons resultados. Agora é completar o programa de treinamento e partir pra Florianópolis. Arrumamos nossas coisas e cada um deu seguimento ao seu feriado. Missão cumprida. Era hora do bando se separar. Até a próxima missão!
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