segunda-feira, 9 de abril de 2012

Jogos Mentais


 
    "Para estar em guerra, basta ter nascido" (Jürgen Habermas)

    O conflito sempre estará presente. As dificuldades parecem brotar do chão por onde traçamos nosso caminho. Tentam desviar-nos, fazer-nos parar, voltar ao ponto de partida, desistir. A mente humana é complexa, cheia de artimanhas, quase como uma simbiose, repleta de energia, de vontade própria e, se não bem controlada, capaz de dominar a situação e te fazer perder o juízo.

    Ainda como estudante de Educação Física, a psicologia do esporte atraía minha atenção. Fazia brilhar os olhos a muito opacos pelo bombardeio de assuntos morosos. Via ali a chave para o sucesso desportivo, superando preparação física, genética e outros fatores estimados como decisivos para o bom desempenho. Inseri minhas convicções ao meu cotidiano: enquanto técnico de futsal, defendia meus treinos ao meio dia. O Sol escaldante fazia com que a quadra parecesse um rio de lava, pequenos trotes parecia corridas sem fim, mas, quando íamos jogar em horários amenos, não demonstrávamos cansaço, não sentíamos calor, corríamos mais, marcávamos mais, jogávamos mais! A mesma "fórmula" era aplicada aos meus treinos de corrida: buscava sempre correr na hora do almoço, fazer treinos de rampa exaustivos, conhecer o extremo. Ali era o momento de reclamar, de querer parar, de brigar contra meus desejos mais mundanos. Gladiava para obter a vitória. Tinha que ser forte para não ceder às clemências de minha mente. "Por que isso? Chega, vamos para casa!". Correr quinze, vinte quilômetros em uma pista de 400 metros me ensinou a controlar meus impulsos. Antes, sempre muito impaciente, ao primeiro sinal de cansaço, os piores pensamentos nasciam em mim e, sentindo minhas fraquezas, minha cabeça tomava o controle da situação, se apossando de meu corpo e acabando por me derrotar. Agora, volta a volta era possível perceber tal fragilidade desabrochar e contorná-la a tempo. Tornava-me senhor de meus anseios.

    Com minha ida para o triathlon, o ingresso no mundo Ironman, as exigências são outras, o volume de treino também, o grau de dificuldade aumentou e, com isso, a vulnerabilidade. O que fazer quando, em meio a tantas sessões de treino, ainda se tem uma dieta a seguir. Rígida, exata, sem excessos, pouquíssimo chocolate, quase nenhuma cerveja, quantidades certas de alimento. Contar oito uvas? Muito pra minha cabeça! E, como se voltasse a ser criança, o proibido passa a ser objeto de desejo. É sempre assim: a homem sempre quer o que não lhe pertence. A ciência já comprovou o desentendimento pelo "não". "Não faça isso", "não suba aí". São informações descabidas de significado aos menores.Surge então aquela sede de não uma, mas 6 cervejas. Pode? "Não!" Aquele desejo de mastigar uma bela barra de chocolate. Pode? "Não!" Apenas 30 gramas. Isso é um sexto da barra! Não dá nem para salivar. O que fazer então?

    Para controlar todo o meu descontrole alimentar, resolvi, simplesmente, comprar tudo que eu sempre tenho vontade de consumir. "Como assim, chutar o balde?". Não, comprar e deixar à mostra. Chego, abro a geladeira e vejo uma barra de chocolate. "Muito fácil, não quero". Como um truque de ilusionismo, engano minha mente e mantenho-me com o planejamento alimentar adequado. Loucura? Talvez, mas vem funcionando muito bem.

     E a parte do treinamento? Fazendo-os sempre em horários mais amenos, sem exposição ao Sol. O problema é que no grande dia, Ele estará lá assistindo de camarote. Me fará companhia por quase doze horas. Hora de quebrar o gelo: o ciclismo agora é feito um pouco mais tarde, por volta de 8 horas. A corrida então, mais grave ainda. Ontem foram 30 km, saindo de casa ao meio dia. Sob um calor insuportável trotamos por quase três horas Campinas afora. Mais que a forma física, estamos recuperando a forma mental. Agora é a hora de termos maus pensamentos, de fraquejar, e de passar por cima de tudo isso. Para o grande dia reserva-se apenas bons momentos. Vai doer? Sim. Vai estar quente? Opa! Vou sofrer? Muito, mas nada que não tenha passado anteriormente. Lá, a única novidade permitida será o prazer de completar meu primeiro Ironman. Apenas 48 dias nos separam deste momento. Que passem logo!
    

Um comentário:

  1. Putz, vc "trotando" 30km em menos de 3hs e eu me arrastando nos 10km do Circuito Caixa em mais de uma hora... Rebaixei-me ao padrão Rochael de uma década atrás.

    Tá com vontade de medir sua evolução nesses 11 anos? Entre em http://www.hardsport.com.br/download/ano01/cr300901.txt e procure por "THIAGO DE AGULAR".

    ResponderExcluir