quarta-feira, 7 de março de 2012

Ulisses & eu




     A princípio era apenas pela grande jornada que teríamos até o Ironman, mas a cada dia que passa o nome Odisseia se mostra exato para tal período de tempo. Em proporções nanométricas, personifico Ulisses ao longo dos dias, em cada desafio e, principalmente, na forma de me comportar, reagir e agir mediante cada estímulo.

     Ulisses, governante da ilha de Ítaca, possuía tudo o que um homem poderia desejar. Uma terra próspera (um oásis em meio a um turbilhão de conflitos), uma família construída, composta por Penélope, sua mulher, de beleza inigualável e possuidora de grande fortuna; e seu filho Telêmaco, ainda criança. Mas tudo isso foi posto em xeque quando foi convocado para fazer parte da guerra há muito travada entre gregos e troianos. Sua honra foi posta em jogo e, sabendo que poderia nunca mais regressar, partiu de Ítaca rumo ao confronto.

     Entre os outros homens era conhecido como um grande guerreiro. Não por ser exímio arqueiro ou coisa parecida, mas sim por sua astúcia e inteligência. Reagia bem sob pressão e, sempre que colocado em situações de morte, conseguia enxergar uma saída. Assim, vendo impossibilidade de transpor as muralhas de Troia, grande a ponto de fazer homens acreditarem na intervenção divina em apoio aos troianos, propôs a construção de um grande cavalo de madeira e, tendo seus melhores guerreiros e ele lá dentro, fez com que o povo troiano acreditasse que aquele fosse um presente de reconhecimento da superioridade ali presente por parte dos gregos (já não vistos a olho nu) e, assim, transpôs os muros da cidade protegida. Assim, na calada da noite, deslocando-se como fantasmas, os gregos atacaram Troia, incendiando a cidade e vencendo a guerra. Ulisses foi tido como herói. Mas seu maior desafio estava por vir: voltar para casa.

     Em meio a um ataque infeliz a um povo inimigo e ancorar na ilha do Ciclope, tendo de enfrentar um gigante devorador de homens, Ulisses mantinha firme seu grande dote: a frieza de raciocinar mediante desavenças. Sabia não poder comemorar uma vitória antes que tivesse chegado ao seu destino final, pois isso o tornaria frágil e possibilitaria que o inimigo mais fraco, porém sedento de vingança, se aproveitasse do momento. Após ludibriar o Ciclope com um estratégia genial e conseguir escapar da ilha com o restante do homens, fez aquilo que, para muitos, foi a maior tolice de sua jornada: revelou enfim seu nome ao gigante que, agora cego, urrava de dor às margens da ilha. Ele simplesmente garantia ali os louros da investida, bem sucedida, contra aquela aberração. Só não contava que a criatura fosse filha de um dos mais poderosos deuses, que, coincidentemente, era o Deus dos Mares: Poseidon. Ele se certificaria que Ulisses nunca chegasse à Ítaca.

     Agora ele tinha dois grandes desafios: navegar pelos mares contra a vontade do Deus regente e voltar para casa. Tinha sido afastado de quem amava, deixado para trás sua mulher (que agora se encontrava a mercê de pretendentes famintos para tomar o lugar de Ulisses), seu filho ainda pequeno e, em mais uma afirmação de sua humanidade, abandonara seu cão Argos, um galgo citado como grande caçador (que, na certeza do retorno de seu dono, o pobre cão o esperou até o fim). Persistindo quando muito já teriam desistido, Ulisses enfrentou um série de infortúnios para chegar ao seu destino final, onde ainda tivera frieza para elaborar mais um grande plano e vingar todos aqueles que ali estavam a cortejar seus bens mais preciosos.

     Odisseia é digna de ser lida, não apenas descrita em um blog. Tais citações são apenas para ilustrar como os caminhos podem ser sinuosos mesmo para destinos tão simples. Quem imaginara uma viagem de algumas semanas se transformar em dez anos? Mas persistir fez a diferença e, contra a ira dos Deuses e a cobiça e ignorância daqueles que o cercavam, Ulisses foi vitorioso. E assim mantenho-me focado. Quando conseguimos fazer uma boa marca em uma distância considerável na natação, o corpo relaxa, a cabeça pede descanso, se tende a acreditar que se está pronto, e é quando se é surpreendido. Dia a dia, após cada bom treino, um bom tempo na natação, uma marca impressionante no ciclismo, um corrida certeira, tento não ser tomado pela euforia. Assimilo como mais um passo rumo ao grande dia. Sei dos percalços que virão, dos Ciclopes que enfrentarei, das ilhas de Gigante por onde passarei, das tempestades de vento que me soprarão para longe. Não serão dez anos, mas dez meses de muitos desafios. Nesse meio tempo saí de Ítaca, abandonei Penélope e deixei meu Argos para trás. Enquanto não voltar à minha ilha, onde descansa a felicidade, ei de me manter focado, transpondo os obstáculos que surgirem, sem nunca perder a razão. Após tantas dificuldades, poderei enfim pisar em terra firme, voltar para casa. Será? Não sei, mas tendo isso em mente consigo seguir. Que as semelhanças com o grande Ulisses não se limitem a desafios e castigos, mas que possua um final tão inspirador que de sua Odisseia.

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