sexta-feira, 2 de março de 2012

Desabafo



     Um vez uma pessoa que, apesar da pouca idade, detinha um conhecimento invejável e uma sensibilidade ímpar, me disse: "Atleta amador é aquele que pratica o esporte por amor". Parece óbvio, mas muitas vezes o título "amador" é vinculado a "menos capacitado", "mais fraco", pois não é "elite". Um erro. Amador é aquela pessoa que acorda de madrugada e, antes mesmo do Sol brilhar, já realiza sua primeira sessão de treino. Que, se trabalha longe de casa, aproveita para ir e voltar correndo. Que concilia 8 horas de trabalho diárias, encaixa um sessão curta na hora do almoço, completa o planejamento ao final de expediente e, ainda sim, consegue dar um sorriso ao final do dia àqueles que o cercam. Tudo é feito com prazer, para realização pessoal, por isso faz tão bem. É aí que a coisa aperta.

     Estamos a 3 meses do Ironman, a carga dos treinos aumentando progressivamente, os dias ficando mais cheios, as sessões mais exigentes e eu mais cansado. Tudo esperado, afinal a meta requer tal esforço, mas algumas privações talvez estejam interferindo psicologicamente. Entendo a necessidade de acertar a composição corporal, fazer uma alimentação adequada, ter tudo sobre controle para o grande dia, mas e o prazer? Onde fica o bom momento de desfrutar uma bela barra de chocolate? E, após 4 horas de treino, chegar em casa e tomar aquela cerveja gelada (algumas, claro!)? Eles têm o seu lugar na dieta, mas estão tão regrados que parecem proibidos. São a escória da cadeia alimentar. "Não ande com eles, pois irão te levar para o mau caminho".

     Começa a descobrir como é tênue a linha que separa o prazer de esforçar e o sofrer. Quando se trabalha no limite, qualquer descuido pode custar dias de planejamento. Lutar com o despertador, cabular treinos madrugais de natação? Nada disso fazia parte da minha rotina. Até agora. Ainda assim, quando caí na água, de nada adiantou. Ficava claro que meu corpo não estava respondendo adequadamente. A ponto de despertar a atenção do meu técnico.

     Sim, nem todo dia é dia santo, mas isso aplica às semanas? Espero que sim. Sinto que preciso recuperar o prazer de treinar, de acordar cedo, de pegar a estrada, de pedalar por horas, correr por milhas, sentir o Sol debruçar-se sobre meus ombros e, ainda sim, eu seguir em frente. Isso é o que me deixava feliz, o que me seguir nos momentos difíceis, era minha terapia, meu melhor amigo. Ali podia, enfim, estar em paz comigo mesmo.

     O combustível está acabando, mas o tanque ainda se encontra em boas condições. Chegou a hora de abastecer, recarregar as energias, falta muito pouco para a prova. Para mim não basta seguir, tenho que ver resultado, sentir que evoluo a cada sessão e não que sofro. Espero que as cinco horas de pedal amanhã me ajudar a recuperar o sorriso no rosto, o prazer de sentir as pernas falhando e, ainda sim, gargalhar do própria dor, como se ela fosse uma criança tentando chamar a atenção. Que assim seja!

   

Nenhum comentário:

Postar um comentário