quinta-feira, 22 de março de 2012

9 1/2 Semanas


     Parece que foi ontem. Primeiro um pequeno contra-relógio de fim de ano, preocupação se conseguiria concluir os 300 metros de natação ou se precisaria ser resgatado, a primeira assessoria, primeira planilha, os treinos de ciclismo com a, carinhosamente chamada, pau velho. Pegando ritmo, gosto, estávamos realmente envolvidos com a modalidade. Decidimos investir, comprar bicicletas próprias de estrada, nos enforcamos para quitá-las, mas aquele brilho no olhar não tem preço...Sábado, fim de tarde, a campainha toca, enfim chegaram. Como se fossem pequenos nenês, o manuseio era cuidadoso, a retirada do carro era calma e, ali mesmo na rua, iam ganhando forma. Nós continuávamos ali, babando, admirando toda a beleza de nossas "meninas".
    
      Conversa de bar, Ironman 2013, plano de metas, "por que não 2012?". Por que não? Inscrição feita, segunda assessoria, pouca bagagem de triathlon, muito volume, treinos oriundos de uma mente talentosa e perturbada, capaz de te colocar frente a frente com seus limites. E assim seguiram-se os meses: rotina, treino, treino, trabalho, treino, treino... bons momentos, maus momentos, alegrias e tristezas oscilavam e, assim, dava-se forma aos meus dias.

       Aproximando-se do grande dia, assolado por uma gripe, o corpo debilitado, mas a mente não querendo desistir, sábias foram as palavras que chegaram aos meus ouvidos: "se fosse um cachorro, deitaria e esperaria passar. Não force contra a natureza". Preferi descansar.  Parei para contabilizar o tempo que ainda resta e cheguei ao número fatídico: 9,5 semanas. Nove semanas e meia? Impossível não fazer um trocadilho com o filme de 1986, onde Kim Basinger já era Kim Basinger e Mickey Rourke ainda cabia no papel de galanteador. Fica, então, apenas uma dúvida: Serão essas semanas de amor? 

          Os treinos se intensificam a cada semana, as planilhas surgem na tela do computador com uma imagem imponente, assustadora, carregadas de informação, dados, metas. Mas não dá para negativizar a treinamento. Após uma série forte de natação, já na borda, esboçando um semblante de cansaço, ouço inesperadamente Donga, a algumas raias de mim, gritar: "sempre sorrindo. Sempre sorrindo". Entendi na hora que deveria agir assim em cada sessão, cada série forte, ao longo de 5, 6 horas de pedal (mesmo que tenha um vento contra com uma velocidade de 67 km/h), ou se estiver correndo cheio de dores, embaixo de um Sol escaldante, com dor de barriga e morrendo de sede, tem que ser com prazer. Sempre sorrindo, esse é o lema. Talvez conduzindo os dias que antecedem o Iron dessa forma, consiga ter minhas 9 1/2 semanas de amor! Agora chega de bobagem e vamos dormir, porque amanhã tem mais.


         

sábado, 17 de março de 2012

Sábado de Sol

   
 Final de semana: para muito sinônimo de ócio, descanso, dormir até mais tarde sem culpa, balada, já para outros... Logo às 5:30 hs da manhã, depois de não dormir nada bem, pois parecia estar resfriado, estava de pé para mais um longão de bike: 5 horas de pedal! Dessa vez, além do Felipe (velho de guerra), iria conosco o Zoin (Bruno Zouain). Nunca tinha pedalado com o cara, mas havia ouvido apenas um comentário: "o cara é carniça. Colocou 37 km/h de média". Sem meia palavras: ia ser tenso!

     Marcamos a 7 horas no posto policial e, quase pontualmente, partimos. O Bruno já sugeriu uma média de 32 km/h (querendo falar uns 35 km/h com certeza). Eu ria por dentro, mas não me pronunciei, deixei que o Felipe respondesse, o qual já colocou estar acima da (nossa) capacidade. Fechamos que íamos tentar fazer um pequeno pelotão e, roda a roda, puxar ao máximo. O Felipe já saiu na frente. Não entendi nada, pois até pouco tempo dissera que seria demais e já começava puxando. Beleza, Zoin e eu fomos atrás, conversando um pouco, sem pressa. Primeira subida, primeiro côco. Ele passou como se ainda estivéssemos na reta. Eu travei, mas segui em frente, emparelhando lá em cima. Felipão não estava num dia sociável: ou ele passava por nós como um raio, ou deixávamos ele pra trás, nunca estávamos juntos. Colei no Bruno e, sabendo que a volta dele era bem menor que a minha, resolvi aproveitar a presença de um pacer de luxo e propus uma arrancada até Holambra. Delícia!!! Ele, fácil, mantinha um ritmo tranquilo, já eu, estava rodando a mil. De olha na técnica, frequência cardíaca um acima do previsto, mas "sentando a bota". Nesse meio tempo,  Zoin levantou um detalhe do momento: "Sente o ventinho contra". Mal sabíamos o que, cada um dos três ao seu momento e sozinhos, teríamos pelo caminho de volta. Chegamos à Holambra, nos despedimos, eu segui, ele retornou.

     Tentei ver onde estava o Felipe. Queria saber se continuaria ou retornaria dali.De tanto olha para trás, esqueci de olha para frente e, quando vi, estava fora da estrada, já na grama. Trepidação pura. Consegui segurar a bike, minimizar o estrago e voltar para a pista. Continuei meu pedal. Após uns 3 km do incidente, resolvi dar uma consultada nos dados do pedal junto ao Garmin que se encontrava em meu punho. ENCONTRAVA! Olhei para o braço e nada, nem sinal do digníssimo. Só pude soltar um "ou", nada mais. Gelei! Nem acabei de pagá-lo e já havia perdido? De jeito nenhum! Virei a bike e voltei na contramão. Cruzei com o Felipe, falei para seguir em frente e vim rastreando cada centímetro de asfalto. Certo de onde o  encontraria, não deixava passar nada. Se soubesse realmente onde caíra, teria pego no exato momento da queda. Cheguei até a fatídica grama, desmontei da bike e fiquei a andar pelo acostamento. Não sei o que se passava pela cabeça daqueles que por ali passavam, mas a cena era única: um ciclista, devidamente fantasiado, andando pelo acostamento em zigue-zague, olhando fixamente para o chão. Louco! Mas valeu a pena, pois achei o bendito, coloquei-o na bike e retomei meu treino.

     Refiz o caminho e continuei à frente. Mogi Mirim, Mogi Guaçu, todos os "mogis" possíveis eram deixados para trás. Como no último treino de 5 horas fizera o retorno após o "Mogi Guaçu", perto da Crystal e não conseguira atingir o tempo estimado, resolvi prolongar um pouco mais e, ao ver 75 km no Garmin, fiz a volta e rumei para Campinas.

    Não foi necessária a segunda pedalada. Bastou apontar o nariz no sentido oposto ao que me encontrava e já sentia-me sendo empurrado para trás. Era com se alguém não quisesse que eu seguisse, que, de agora em diante, ficasse em Estiva Gerbi para todo o sempre. "Não hoje, não eu". Desafiei as forças da natureza, crente que, logo na primeira curva, todo voltaria ao normal. Doce ilusão. Descoberta do dia: o vento faz curva! Pelo amor de Deus, para onde eu apontasse, o desgraçado estava a resistir às minhas pedaladas. Pensei em tentar as técnicas de Alan Harper para escapar de uma ex-namorada furiosa (desculpe, só quem assisitu Two and Half Men). As demais técnicas não surtiam efeito. Clipando piorava. Decidi que iria de peito aberto, tentando manter a técnica, mas convicto que seria com muita força.

     E foi. Os "mogis não pareciam tão próximos como na vinda. Na verdade, era como se alguém estivesse escondendo o outro, pois eu não conseguia achá-lo. A essa altura já estava o pó, perdido em maus pensamentos, cansado, pensando em parar e pegar um ônibus. Não aguentava mais ser violentado daquela forma. Passara da conta. Nem Pirassununga fizera tamanho estrago. E ainda estava a mais de 60 km de casa. Tinha que continuar.

     Estipulei metas: Chegar ao viaduto de Holambra, rampa da Ambev, pedágio, polícia rodoviária e, enfim, Dom Pedro. Parti com isso em mente. Dividir para conquistar. Cadenciado, abaixo do pace previsto, mas indo. Holambra, feito. E o vento a todo vapor. Só aliviava quando passava algum caminhão tirando um fino, formando um vácuo. Era a paz momentânea. Mas logo começava tudo de novo. Era tão grave que eu tinha que pedalar para descer. Se resolvesse descansar as pernas, a bicicleta parava. Absurdo! 

     Ambev? Passado. Pedágio também. A essa altura o projeto de 5 horas já caminhava para 6 horas de muito sofrimento. O prazer de estar ali havia ficado lá no retorno, 60 km atrás. Consegui chegar à Dom Pedro, reanimar um pouco e apontar para casa. Agora era sussa. Mesmo com o vento, faria tranquilo. Rodo esse trecho quase todo dia, com uma bike muito pior e em condições mais adversas. Estava chegando.

     Mas tinha um problema: a corrida após o pedal. Estava tendencioso a abortá-la. Já tinha sofrido demais, minhas pernas reclamavam de desconforto. Entrei em Barão com 5:40 de pedal, entrei em casa e, sem nem pensar, coloquei o tênis e parti. Correr a 5:40 por km? Pensei que morreria ao tentar fazer isso. Tinha que pagar pra ver.

     Saí para rua e, já no primeiro passo, quase caí, O desnível calçada/asfalto parecia maior do que nos tempos em que tinha controle sobre minhas próprias pernas. Ajustei a passada e, ao olhar o Garmin, corria a 5:20 de pace confortavelmente. Bizarro! Fiquei chocado com tudo aquilo. Ou estava tão cansado que já nem ligava mais pra dor, ou realmente havia uma luz no fim do túnel. Mantive os 30 minutos assim e, enfim, regressei para por fim ao meu sábado de treinamento. Agora era tomar um banho e descansar. Descansar? Que nada! Partindo para trabalhar na corrida da Track & Field.

     É isso aí, cada uma aproveita seu sábado de Sol como bem entender! Amanhã tem mais e, até daqui dez semanas, também!

sexta-feira, 9 de março de 2012

Rocky



     Quem não se lembra dele? Em meio a uma voz arrasta, beirando a embriaguez, e um hit que movimentou uma geração e até hoje é usada como motivacional para prática de exercício, Rocky Balboa marcou seu lugar nos anos 80. Um cara determinado, batalhador, disposto a tudo para conquistar seus objetivos. Mas em meio a tantas características, uma em especial prendia minha atenção: por que ele apanhava tanto antes de resolver a parada? Pelo amor de Deus, devia gostar muito de ser esmurrado. Funcionava de uma forma simples: ele só apanhava. Eram 9, 10 rounds levando soco de todo jeito, até que, de uma hora para outra, ele se transformava. Nada de íris ficando branca, o corpo ficando verde, mas o rapaz simplesmente resolvia espancar o adversário e dar fim ao confronto. Apanhava 10 rounds e resolvia em 15 segundos? Não dava para entender.

     Pois bem, essa semana tive minha semana Rocky. Tudo começou quando decidi afrouxar a rédea da dieta e beber duas latinhas na sexta-feira. O prazer de retomar o ócio me levou a beber duas garrafas no sábado  (acompanhado de um pacote de salgadinho), alguns chopes no domingo (e mais petisco) e, encontrando uma segunda de descanso (oficial, estava na planilha!), meu corpo interpretou tal sequência como férias. Pronto, estava criado o problema.

     Terça-feira, como de costume, acordei às 5 horas, tomei meu café e saí para treinar. Andei 200 metros no máximo e, com um ar friozinho que me rodeava, senti uma preguiça descomunal tomar conta de meu corpo e mente. Não hesitei nem por um segundo, retornei com a bike, entrei em casa, troquei de roupa e voltei para cama. Que delícia! Dormi até  quase oito horas.

     Quarta era dia de treino, então nenhuma atividade proposta, mas quinta-feira chegara e, com ela, mais atividades. A mesma rotina: acordar cedo, tomar café e partir para o treino. Novamente a preguiça me fez desistir no meio do caminho e minha cama foi meu destino final. "De novo? Até quando seguiria com esse ritmo?". Algo tinha que ser feito e deveria ser logo.

     A tarde tinha uma corrida para fazer. Decidi que era hora de começar a pagar pelas escolhas erradas. Coloquei toda a parafernália da natação em uma mochila, calcei meu tênis e saí para treinar. Iria fazer o treno proposto para aquele período e pagar a natação da manhã. Seria um pouco excessivo, mas precisava me dar um choque.

     E funcionou. Foram quase três horas de treino ao todo. O corpo novamente estava endorfinado, querendo mais. Me sentia novamente no caminho certo. Sim, demorara um pouco para reagir, mas havia sido a tempo de virar o jogo.  Era hora de dormir e testar logo cedo se tal sensação não era passageira. Sexta, às 5 horas da manhã, teria minha terceira chance de treinar cedo. Conseguiria dessa vez?

     Ao acordar senti a diferença. Outro ânimo, sem dúvidas ou mal pensamentos. Tudo muito mecânico: acordar, tomar café, me trocar e partir. Peguei a estrada e, em meio ao nascer do Sol e o pôr da Lua, cheguei ao meu destino. Estava de volta! Havia vencido essa batalha. Não, não espero que nada mais venha a me atrapalhar daqui para frente. Faltam onze semanas e, com certeza, muitos obstáculos aparecerão. Espero apenas que consiga reagir mais rápido. Não posso me dar ao luxo de passar uma semana aceitando passivamente meus desejos mais sedentários. Falta muito pouco e não quero por tudo a perder. E não posso.   E que venha o Ironman.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Ulisses & eu




     A princípio era apenas pela grande jornada que teríamos até o Ironman, mas a cada dia que passa o nome Odisseia se mostra exato para tal período de tempo. Em proporções nanométricas, personifico Ulisses ao longo dos dias, em cada desafio e, principalmente, na forma de me comportar, reagir e agir mediante cada estímulo.

     Ulisses, governante da ilha de Ítaca, possuía tudo o que um homem poderia desejar. Uma terra próspera (um oásis em meio a um turbilhão de conflitos), uma família construída, composta por Penélope, sua mulher, de beleza inigualável e possuidora de grande fortuna; e seu filho Telêmaco, ainda criança. Mas tudo isso foi posto em xeque quando foi convocado para fazer parte da guerra há muito travada entre gregos e troianos. Sua honra foi posta em jogo e, sabendo que poderia nunca mais regressar, partiu de Ítaca rumo ao confronto.

     Entre os outros homens era conhecido como um grande guerreiro. Não por ser exímio arqueiro ou coisa parecida, mas sim por sua astúcia e inteligência. Reagia bem sob pressão e, sempre que colocado em situações de morte, conseguia enxergar uma saída. Assim, vendo impossibilidade de transpor as muralhas de Troia, grande a ponto de fazer homens acreditarem na intervenção divina em apoio aos troianos, propôs a construção de um grande cavalo de madeira e, tendo seus melhores guerreiros e ele lá dentro, fez com que o povo troiano acreditasse que aquele fosse um presente de reconhecimento da superioridade ali presente por parte dos gregos (já não vistos a olho nu) e, assim, transpôs os muros da cidade protegida. Assim, na calada da noite, deslocando-se como fantasmas, os gregos atacaram Troia, incendiando a cidade e vencendo a guerra. Ulisses foi tido como herói. Mas seu maior desafio estava por vir: voltar para casa.

     Em meio a um ataque infeliz a um povo inimigo e ancorar na ilha do Ciclope, tendo de enfrentar um gigante devorador de homens, Ulisses mantinha firme seu grande dote: a frieza de raciocinar mediante desavenças. Sabia não poder comemorar uma vitória antes que tivesse chegado ao seu destino final, pois isso o tornaria frágil e possibilitaria que o inimigo mais fraco, porém sedento de vingança, se aproveitasse do momento. Após ludibriar o Ciclope com um estratégia genial e conseguir escapar da ilha com o restante do homens, fez aquilo que, para muitos, foi a maior tolice de sua jornada: revelou enfim seu nome ao gigante que, agora cego, urrava de dor às margens da ilha. Ele simplesmente garantia ali os louros da investida, bem sucedida, contra aquela aberração. Só não contava que a criatura fosse filha de um dos mais poderosos deuses, que, coincidentemente, era o Deus dos Mares: Poseidon. Ele se certificaria que Ulisses nunca chegasse à Ítaca.

     Agora ele tinha dois grandes desafios: navegar pelos mares contra a vontade do Deus regente e voltar para casa. Tinha sido afastado de quem amava, deixado para trás sua mulher (que agora se encontrava a mercê de pretendentes famintos para tomar o lugar de Ulisses), seu filho ainda pequeno e, em mais uma afirmação de sua humanidade, abandonara seu cão Argos, um galgo citado como grande caçador (que, na certeza do retorno de seu dono, o pobre cão o esperou até o fim). Persistindo quando muito já teriam desistido, Ulisses enfrentou um série de infortúnios para chegar ao seu destino final, onde ainda tivera frieza para elaborar mais um grande plano e vingar todos aqueles que ali estavam a cortejar seus bens mais preciosos.

     Odisseia é digna de ser lida, não apenas descrita em um blog. Tais citações são apenas para ilustrar como os caminhos podem ser sinuosos mesmo para destinos tão simples. Quem imaginara uma viagem de algumas semanas se transformar em dez anos? Mas persistir fez a diferença e, contra a ira dos Deuses e a cobiça e ignorância daqueles que o cercavam, Ulisses foi vitorioso. E assim mantenho-me focado. Quando conseguimos fazer uma boa marca em uma distância considerável na natação, o corpo relaxa, a cabeça pede descanso, se tende a acreditar que se está pronto, e é quando se é surpreendido. Dia a dia, após cada bom treino, um bom tempo na natação, uma marca impressionante no ciclismo, um corrida certeira, tento não ser tomado pela euforia. Assimilo como mais um passo rumo ao grande dia. Sei dos percalços que virão, dos Ciclopes que enfrentarei, das ilhas de Gigante por onde passarei, das tempestades de vento que me soprarão para longe. Não serão dez anos, mas dez meses de muitos desafios. Nesse meio tempo saí de Ítaca, abandonei Penélope e deixei meu Argos para trás. Enquanto não voltar à minha ilha, onde descansa a felicidade, ei de me manter focado, transpondo os obstáculos que surgirem, sem nunca perder a razão. Após tantas dificuldades, poderei enfim pisar em terra firme, voltar para casa. Será? Não sei, mas tendo isso em mente consigo seguir. Que as semelhanças com o grande Ulisses não se limitem a desafios e castigos, mas que possua um final tão inspirador que de sua Odisseia.

sábado, 3 de março de 2012

Fazendo as pazes



     
     Quando começou não sei., mas as últimas semanas foram difíceis. O clima estava pesado, a afinidade parecia ter chegado ao final. Parecia que, sempre que nos encontrávamos, devíamos duelar, disputar para ver quem sairia vencedor, pomposo, cheio de orgulho por ter colocado o outro no chinelo. Amigos tentaram amenizar a situação, aproximar-nos, porém sem sucesso. Quem se metesse, acaba levando também. Então, aquilo que era para ser uma união estável, sólida, uma parceria invejável, estava com os dias contados. Será?

      Chegara a hora de acertarmos de uma vez por toda. Passamos a semana toda apenas com as pequenas atividades, nada mais que uma hora a cada dois dias, mas sabíamos que o final de semana se aproximava e teríamos que definirmos nosso futuro. Seria pegar ou largar. Para todo o sempre! Isso me perturbou ao longo  dos últimos dias. Resultou até em um post mais "afetado", onde parecia estar à beira de um abismo, cheio de dúvidas sobre como proceder. Enfim, seria no sábado e logo cedo. Não tive dúvidas, tomei duas cervejinhas na noite de sexta para relaxar, espairecer um pouco, deixar que o dia seguinte chegasse calmamente. Em meio à bons pensamentos dormi.

     Cinco horas da manhã. O despertador anunciava o grande dia. Levantei-me, tomei meu café, me troquei e chequei os últimos detalhes. Ela me esperava lá embaixo. Peguei tudo que levaria , acoplei-os em seus devidos lugares e saí. 

     A ideia era começarmos de leve, não poderia, de cara, pressioná-la. Tinha que fazê-la relaxar, sentir que era bem tratada, que o que fazíamos era por prazer e que ambos saímos perdendo caso não houvesse entendimento. E assim fomos durante a primeira meia hora, quando resolvi ser mais incisivo, colocar à prova qual era o real patamar onde nos encontrávamos. Senti receptividade, como se gostasse do momento e decidi prolongar com aquele trato. Estava minucioso, atento a todos os detalhes, preciso em minhas ações, sem o uso de força.Como um experiente confeiteiro que, ao espalhar sua cobertura sobre o bolo, possui movimentos cadenciados, finos, buscando a perfeição no produto final, mantive meus movimentos sempre constantes e precisos. 

     E assim fomos, por duas horas e 58 quilômetros, harmoniosamente, sem muitos percalços. Então, já mais sintonizados, optei por pressionar um pouco mais. Não tinha certeza se isso seria o fim de um, até então, encontro perfeito, ou se estávamos, de novo, trabalhando como equipe. Nada, nenhuma reação contrária. Seguíamos no sentido contrário, vento no rosto, "cortando chão". Estávamos nos divertindo como a muito não fazíamos. Foi quando ele surgiu.

     Saído do nada, logo à frente víamos um indivíduo que parecia estar rumando para o mesmo destino. Ao nos encontrarmos, ele propôs seguirmos juntos. Ele e sua companheira pareciam felizes, apresentavam-se vigorosos. Aquilo mexeu conosco. Se havia alguma rixa, estava encerrada por um bem comum. Para acompanhar o casal desconhecido era necessário nos esforçarmos mais. E nos esforçamos. Chegava a dar orgulho o quão impressionante estava nossa performance. Mas decidimos não manter tal postura e deixamos que o outro casal partisse, ficando a observar seu desaparecimento no horizonte.

     Aquilo nos uniu. Sabíamos termos tomado a decisão certa. Continuamos, a dois, nosso passeio de reconciliação. E, em meio a aclives e declives prosseguíamos. à essa altura o Sol já estava bem assanhadinho e castigava aqueles que se atreviam a ficar expostos às suas graças. Já não víamos mais o tempo passar, não sentíamos as adversidades que era postas em nosso caminho, tudo corria perfeitamente bem. E então o vimos de novo. O casal que, de forma afoita, desaparecera à nossa frente, parecia não possuir o mesmo gás para tal ritmo. Dessa vez tínhamos um ao outro e não pararíamos por ninguém. Deu tempo apenas de um rápido cumprimento. Passamos firmes por eles e, sem tomar conhecimento, cruzamos o cume à frente.

     Sensação maravilhosa! Estávamos graciosos, parecíamos um só. Começamos a cruzar com todos os tipos e, sem distinção de classe ou cor, deixávamos para trás. Parecia que tínhamos construído um bloqueio, pois nenhum corpo era capaz de se aproximar. Havíamos fechado um para o outro. Estávamos, enfim, acertados.

     O que era para ser 5 horas acabou se tornando 4:38 horas, pois a vontade de mostrar que não estávamos ali apenas a passeio fez com que subíssemos o nível. Momentos difíceis todos tem, basta que os dois queiram, muito, e as coisas se acertam. Talvez tivesse sido mais fácil deixar de lado, desistir, ir embora ao invés de enfrentar o problema. Não aqui, não conosco. Nos fortalecemos quando superamos nossas dificuldades. Agora posso descansar em paz, pois sei que minha bike e eu formamos uma bela equipe.

     Chegou a hora de relaxar. De uma forma temática, em homenagem a todas as pirambeiras que percorremos de Campinas até depois de Mogi Guaçu, abrirei uma Serra Malte e degustarei-a de uma forma lenta e prazerosa. E que venha o próximo pedal!

sexta-feira, 2 de março de 2012

Desabafo



     Um vez uma pessoa que, apesar da pouca idade, detinha um conhecimento invejável e uma sensibilidade ímpar, me disse: "Atleta amador é aquele que pratica o esporte por amor". Parece óbvio, mas muitas vezes o título "amador" é vinculado a "menos capacitado", "mais fraco", pois não é "elite". Um erro. Amador é aquela pessoa que acorda de madrugada e, antes mesmo do Sol brilhar, já realiza sua primeira sessão de treino. Que, se trabalha longe de casa, aproveita para ir e voltar correndo. Que concilia 8 horas de trabalho diárias, encaixa um sessão curta na hora do almoço, completa o planejamento ao final de expediente e, ainda sim, consegue dar um sorriso ao final do dia àqueles que o cercam. Tudo é feito com prazer, para realização pessoal, por isso faz tão bem. É aí que a coisa aperta.

     Estamos a 3 meses do Ironman, a carga dos treinos aumentando progressivamente, os dias ficando mais cheios, as sessões mais exigentes e eu mais cansado. Tudo esperado, afinal a meta requer tal esforço, mas algumas privações talvez estejam interferindo psicologicamente. Entendo a necessidade de acertar a composição corporal, fazer uma alimentação adequada, ter tudo sobre controle para o grande dia, mas e o prazer? Onde fica o bom momento de desfrutar uma bela barra de chocolate? E, após 4 horas de treino, chegar em casa e tomar aquela cerveja gelada (algumas, claro!)? Eles têm o seu lugar na dieta, mas estão tão regrados que parecem proibidos. São a escória da cadeia alimentar. "Não ande com eles, pois irão te levar para o mau caminho".

     Começa a descobrir como é tênue a linha que separa o prazer de esforçar e o sofrer. Quando se trabalha no limite, qualquer descuido pode custar dias de planejamento. Lutar com o despertador, cabular treinos madrugais de natação? Nada disso fazia parte da minha rotina. Até agora. Ainda assim, quando caí na água, de nada adiantou. Ficava claro que meu corpo não estava respondendo adequadamente. A ponto de despertar a atenção do meu técnico.

     Sim, nem todo dia é dia santo, mas isso aplica às semanas? Espero que sim. Sinto que preciso recuperar o prazer de treinar, de acordar cedo, de pegar a estrada, de pedalar por horas, correr por milhas, sentir o Sol debruçar-se sobre meus ombros e, ainda sim, eu seguir em frente. Isso é o que me deixava feliz, o que me seguir nos momentos difíceis, era minha terapia, meu melhor amigo. Ali podia, enfim, estar em paz comigo mesmo.

     O combustível está acabando, mas o tanque ainda se encontra em boas condições. Chegou a hora de abastecer, recarregar as energias, falta muito pouco para a prova. Para mim não basta seguir, tenho que ver resultado, sentir que evoluo a cada sessão e não que sofro. Espero que as cinco horas de pedal amanhã me ajudar a recuperar o sorriso no rosto, o prazer de sentir as pernas falhando e, ainda sim, gargalhar do própria dor, como se ela fosse uma criança tentando chamar a atenção. Que assim seja!