sábado, 25 de maio de 2013

Vida pré ironman


 Agora não tem mais volta. Sabe-se o destino final da aventura já no aeroporto. Grande parte dos que ali estão portam mochilas volumosas, com acessórios espalhados pelos bolsos, um capacete pendurado a tira colo e uma pele bronzeada, castigada pelos seguidos dias de treino sob o Sol. Sim, estamos indo para a Ilha da magia.

 E a coisa é tão intensa que nem o voo para assustar. A cabeça está longe, o estar a 11600 metros de altura simplesmente iguala os outros mortais ao plano onde me encontro! Memórias do Iron passado e provisões para o que está por vir ocupam meu tempo, o desejo de viver tudo aquilo novamente pulsa bravamente e em meio a tantas emoções, ouço o comandante anunciando o pouso. Chegamos ao paraíso.

 Desembarque tranquilo, bike em mãos, Dedé já está a espera (sim, Dedé - a fome do post "Os Cavaleiros do Apocalipse"). Ia hospedar toda a trupe que vinha para o Iron. Em seu Jipe azul metálico dava todo o ar para um território praiano. Morando na encosta de um morro, somos agraciados com uma vista sensacional. Toda a adrenalina que deveria envolver os dias que antecedem algo tão grandioso é anulada por uma paz e beleza; a ansiedade transforma-se em paz de espírito; relembro o por que de voltar ano a ano.


 Mas nem tudo são flores e o preparação continua. Após fazer o treino de natação oferecido pela organização do evento, chega a hora de fazer um giro de bike para soltarmos as pernas e checar os últimos detalhes e possíveis problemas mecânicos. Uma hora de pedal, um ritmo aceitável para quem enfrentará 180 km daí a dois dias e, para finalizar paramos no Mirante apenas para desfrutar mais uma bela vista do local, regada a um expresso cremoso.


Fernando, Dedé e eu continuávamos a aproveitar o local, jogando conversa fora enquanto deixávamos que o corpo relaxasse ao máximo. Perambulávamos pela dúvida "partir ou não", resistindo em deixar tamanha beleza para trás, quando surge a nossa frente, simples e sorrateiramente, passando quase despercebido, um ícone do triathlon mundial, detentor de seis títulos mundiais, tirando fotos como um simples turista. Estávamos diante de "cara" Mark Allen. Todos atônicos. Um minuto de silêncio. Fernando puxa conversa, tietagem à parte, hora da foto.


Da mesma forma que surgiu, Mr Allen deixou-nos. Agora podíamos voltar pra casa. O treino estava encerrado. Aquele encontro massageou-nos. Estávamos ainda mais empolgados. Particularmente trazia boas lembranças do ano anterior e o jantar de massas ao lado de outro Deus do triathlon Ken Glah e algumas lições que levo para todo o sempre. Agora um aperto de mão, uma simples foto, mas um energia incrível entre todos ali. Se as coisas seguissem dessa forma, domingo prometia. Agora era esperar, descansar o máximo possível, permanecer com a cabeça no lugar e deixar que as coisas aconteçam naturalmente. Que assim seja. 

domingo, 12 de maio de 2013

Comédia pastelão

Parece piada...
Quarenta dias. Esse foi o tempo que restou entre o início do treinamento para o Ironman 2013 e a prova propriamente dita. Até aí tudo bem - ou pelo bem entendido. O que fazer com tão pouco tempo? Literalmente correr!! E pedalar e nadar. E muito! Treinos mais técnicos, fazes de polimento, tudo descartado. Agora era hora de rodar, rodar e rodar; ganhar volume, condicionar e tentar, com muuuita sorte, concluir o Iron.
E assim foram conduzidas as semanas. O volume aumentando, o corpo sentindo o tempo que ficou parado, a carga imposta, mas ainda resistindo bem, pois tínhamos algumas metas a serem batidas para, ao menos, tentar massagear a consciência e visualizar um pouco de conforto nessa insana empreitada. Queríamos os 150 km de bike e os 30 km de corrida. E eles vieram na mesma semana.
Mas houve um preço a pagar: o corpo cobrou e se sentiu no direito de entrar em greve. Brandava overtraining. Espera aí, overtraining? Para ser "over", primeiro tem que ter treinado. Em 20 dias só se tivessem sidos contínuos!! Ridículo!
Ridículo ou não, o certo é que tudo que tentava fazer ficava aquém do que deveria ser. E isso ia minando cada vez mais a motivação para continuar. Cansado de bater cabeça, optei fazer um day off na quarta (8/5) e recomeçar na quinta com uma corridinha (que veio a calhar). Sabadão seria dia do "longuinho" de pedal e corrida.
Apesar de ter ido dormir meio tarde, logo às 5:30 pulei da cama e comecei a arrumar a tralha: lanche, água, gel, bcaa, dá quase para fazer um pique-nique com tanta comida. Café da manhã, farda no corpo, tomei um dose de guaraná em pó e parti antes das 6 da matina. Hora de tentar reanimar a carcaça!
O friozinho matinal reina solitário em solo goiano, o vento formado com o deslocamento da bike machuca, mas olhar adiante ajuda a manter o movimento. Quase saindo da cidade, última subida (senhora subida!), vejo um maludo desceu uma avenida auxiliar, a qual desembocaria onde me encontrava. Reduzi um pouco para não atrapalha-lo, ele completou a curva, colou ao lado e, com um sorriso carregado de bons fluidos mandou um " e ae". Olhei para o lado e estava nada menos que Santiago Ascenço partindo para mais um dia de trabalho.
Por diversos motivos isso mexeu comigo. Primeiro por ter um atleta de ponta, o qual sempre vejo treinando no autódromo, ali tão cedo e tão cheio de energia. Me fez lembrar o por que de fazemos tudo e de uma frase  muito sábia do mestre Donga: "sorriso no rosto sempre". Inadmissível seria estar ali se não com um prazer imenso, expresso em sorrisos e cumprimentos a todos que cruzassem o caminho. Segundo porque quando ele mandou o "e ae" e colou atrás, bateu uma responsa tão grande que nem lembrei que podia usar o volantinho para poupar a perna; saí pedalando forte ladeira acima para não fazer feio perto do "cara" do ciclismo no iron 2012. Quando vi já estava na estrada e nem sinal do Santiago que, sabiamente, não subiu que nem um louco e mais à frente me passou rumo ao autódromo.
Cheguei lá com a melhor média desde o início da preparação. Estava tão boa que nem zerei para tirar a média interna. Partiria dali e a subiria até o fim do treino. Começar com 25.3 não estava tão ruim. Agora era contar voltas!
Sozinho, nada de pelote, roda, vento na cara, tentava manter o ritmo forte. Sentia a perna querendo, a bicicleta pedindo, então era dar alegria às duas. Quando me pegava fazendo muita força, procurava transferir para uma cadência mais alta e automaticamente sentia um alívio nos membros inferiores. Fácil, estava no melhor dia de treino desse "longo" projeto. Primeira hora de treino concluída e 30 km percorridos. 30 km??? Façam as contas! Renderam as pernadas. Enquanto isso continuava a tomar voltas dos diversos grupos de ciclistas que rodavam por lá hoje (inclusive Santiago no meio do bolo). Contaminara a todos!!!
Segue o treino. Alternando algumas reduções de velocidade para alimentar e hidratar, tentava não perder a pegada. Nem um xixizinho rolou (isso sim é assustador!!). Duas horas e a marca de 60 km já habitava minha tela, mas a média ainda estava em 29.9. Já poderia retornar se quisesse e fazer minha transição, mas com esse número piscando quase como uma risada debochada, resolvi acabar o treino quando colocasse o 30 km/h na tela. Tinha medo que ela nem o reconhecesse, mas iria tentar! Comecei a puxar (mais!), pois não queria alongar muito e, por isso, precisava aumentar a velocidade rodada. Mais uma volta, descida, pernada na magrela e ele surgiu. Parou!!!!! Agora já poderia retornar, mas ainda queria mais!
Nova marca: sair de lá com 81 km, pois assim teria meus 90 km do dia e, pelo visto, em 3 horas. Já não tão intenso, mas mantendo o 29.9, completamos o metragem e retornamos para estrada.
E na estrada a conversa é outra. Ali a coisa complica, o acostamento é muito destruído, carros e caminhões passam muito perto, sujeira demais... além das subidas! Não tem jeito, perde-se velocidade. Mas ainda sim parecia que a coisa ia bem. Saímos do tumulto, retomamos o bom caminho até em casa e, forçando onde dava, a freada final foi dada aos 89.79 km e 3:01 horas de tempo. Nem com muita viagem esperava voltar a rodar no trintinha em tão pouco tempo. O "e ae" carregado deu um upgrade no dia e tornou "mais um treino" no treino. Por via das dúvidas, melhor tentar ganhar um desses no dia da prova! E que venha o iron!! Faltam 14 dias.

terça-feira, 7 de maio de 2013

Let It Be



Alguns esperaram por 50 anos, outros um pouco menos. Eu, particularmente, aguardei por quase dois anos o retorno. No primeiro momento, tempos de vacas magras, foi impossível desfrutar de algo tão imenso. Hoje já não existem vacas, mas as coisas se acertaram e estávamos prestes a realizar um grande sonho: ver um ex-beatle ao vivo.

O show estava marcado para 21 horas, mas os portões seriam abertos às 17:30 horas. Por mim chegaria trinta minutos antes do show, me acertaria em qualquer espaço e curtiria tranquilamente, mas estávamos em equipe e ansiedade coletiva falou mais alto. Rumamos para o estádio um pouco depois das 18 horas.

Chegando lá, já estacionado o carro, ficou claro a imensidão da fila para adentrar ao local. Era algo assustador, quilométrico, a se perder de vista. Chegamos mais perto e percebemos que, quase uma hora e meia depois do previsto, os portões ainda não haviam sido abertos e, para ajudar, a organização do evento tinha, em um momento de infeliz falta de bom senso, organizado uma única entrada. Sim, estávamos em um estádio, com vários portões e uma boa dispersão interna, mas apenas uma entrada estava sendo usada. Era como se ali tivesse um grande rebanho, pronto para serem marcados. Realmente fruto de uma organização acostumada com as grandes festas agropecuárias oferecidos pelo estado de Goiás. Estava explicada a grande fila. Nos acertamos em meio a um grupo e aguardamos pela liberação das catracas.

Cumprido o ritual de entrada, com vistoria, enganar o guarda para entrar com água e arranjar um acento, ficamos a curtir o DJ que tocava os grandes clássicos dos Beatles (na verdade era um “esquenta” do setlist que seria tocado em instantes) e observando o fluxo de pessoas a ocupar os espaços vazios ao longo das arquibancadas e gramado. Mas o fluxo ordenado virou caos, o que era ordenado de repente tornou-se um aglomerado de pessoas se espremendo, tentando se locomover entre aqueles que já haviam tomado seus lugares. Uma loucura! Simplesmente por não terem liberado o acesso à arquibancada oposta – caminho submerso àquele – pois atrapalharia ilustríssimo governador em seu camarote pomposo. Pelo conforto do senhor Marconi Perillo, o cidadão goiano podia ser pisoteado. RI-DÍ-CU-LO. Após muitos protestos, liberaram a tal área, o público ocupou o que ainda havia de espaço vazio e em meio a um pot-pourri de canções, imagens de um menino de Liverpool amadurecendo como homem, ganhando os traços que rodaram o mundo e causaram frisson por entre suas platéias, até obter a fisionomia atual de um senhor de 70 anos. Que a idade não deixe-nos mensurar o poder do show. A história estava contada. Out There – a turnê mundial de Paul McCartney estava por começar. A cápsula fechou-se por completo, o que estava lá fora não mais importava, apagaram-se as luzes, entra o mito. Let it be.

Empunhando seu famoso baixo de 4 cordas, Paul desfere seus primeiros acordes, oferecendo Eight Days a Week ao público, que responde estridentemente a todas as estrofes. Uma forma digna de se iniciar um espetáculo. A vontade era tanta que a voz já falhava ao final da primeira música. E os sucessos vinham sendo emendados, sem tempo para água. O senhor em cima do palco trocava freneticamente de instrumentos sem ao menos um trago d’água ingerir. Deixava seu baixo, abraçava sua Epiphone, soltava-a e sentava-se ao piano. All my Loving, Paperback Writer, My Valentine... Paul se divertia com um enxame de Louva Deus que o rondava enquanto permanecia sentado ao piano, espetáculo à parte que perduraria por toda a noite.

Então Long and Winding Road, uma melodia profunda, capaz de acalmar os ânimos e despertar uma certa tristeza. Com o dever de casa em dia, continuava a cantar intensamente, como se estivesse em meu dueto particular, declarando-me ao céu, sem me preocupar com o pensavam de mim!

Foi quando reparei que muitos cidadãos com suas madeixas prateadas ainda não haviam ao menos levantado. Talvez estivessem tendo um momento diferente, em silêncio, quase como uma prece? Talvez, mas destoavam tanto de outros “tiozões” que a impressão que transpareciam era de estarem no lugar errado. Fora eles, pessoas mais novas acompanhavam o movimento estátua, permanecendo de braços cruzados à espera de um “Twist and Shout” para relembrarem o épico “Curtindo a vida adoidado”. Azar! Para mim seria até o fim!!

E o balé instrumental continuava. A banda extremamente talentosa não se permitia falhas, acompanhado o maestro à altura. Paul, agora acomodado em um belo violão Gibson, anuncia uma homenagem ao seu amigo “John”. O palco então eleva-se, colocando em outro patamar, talvez um pouco mais próximo do céu, como se quisesse falar diretamente com Lennon. Sozinho dedilha alguns acordes e faz uma verdadeira declaração de amor. A nós, meros mortais, restava a admiração.

Mas a noite ainda tinha muito a oferecer e, sem soltar o gigante de seis cordas, entoa o sucesso And I Love Her, levando o público ao delírio (certeza que teve gente que cantou a versão do Zezé de Camargo e Luciano!!!). Sem deixar cair o nível, iniciou Blackbird. Arrepiei. Tinha ouvido essa música gravada em São Paulo e por muito remoí ter perdido tal oportunidade. Agora estava ali, frente a frente com o mito. Sem perder tempo, fui junto com o mestre (blackbird singing in the dead oh night...).

O ingresso já estava pago a muuuuuuito tempo, mas a oferta de sucessos continuava e prontamente respondíamos aos estímulos. Lady Madonna, Back in the USSR, Obla di obla da... Eleanor Rigby, outra bela canção que, particularmente, desejava vivenciar. Com seu fundo instrumental, um violino marcando o passo, ao melhor estilo Psicose, como se transparecesse todo o vazio e desespero de todas as pessoas solitárias ali citadas. Lindo demais de se ver, ouvir, cantar... a essa altura, rouquidão na certa!

Mais uma troca de instrumento e agora Paul surge com um Ukulele, um pequeno cavaco havaiano – globalizado por Mr. Israel Kamakawiwo em sua versão de Somewhere over de Rainbow – diz se tratar de uma homenagem a George e harmonicamente inicia uma nova leitura para Something. Quando a música “cresce”, a banda ressurge e a imensidão de mais um grande clássico dos Beatles se faz presente. Segue o show, sucessos de sua carreira solo e da época do The Wings marcam seu espaço: Let me roll it, My Valentine, Band on the run, todas conseguem manter em altíssimo nível o espetáculo.

Sentou-se ao piano e trouxe a nós Let it be. Mais que uma canção, um ensinamento que deve ser revisto a cada dia. Alguém espiritualmente superior, ali citada, ensina o jovem a contornar seus problemas e, um a um, estávamos todos entoando em coro o refrão que, na verdade, deveria ser um mantra: let it be.

 

Mas parecia que Mr. Paul não havia se dado por satisfeito com o calor que o lugar exalava. Sentou-se ao piano e, like a gentleman, iniciou calmamente “when you were Young and your heart was na open book…” e então sacramentou: “Live and let die”. Booom!!! O show pirotécnico fez a noite virar dia, aqueles que se escondiam nas sombras foram expostos, estava tudo às claras. Sincronizadamente a queima acompanhava a overdose instrumental presente no palco, com músicos se aglomerando e desferindo solos de todos os lados. E então a calmaria. Mais uma vez cai a noite e com ela ressurge o controle do dono da noite. Recomeça os versos rimados e então, não se contentando com uma dose apenas, repete: “Live and let die”. Booom de novo!!! A loucura está de volta ao palco, a noite é novamente acuada pela imensidão dos fogos, as labaredas liberadas na frente do palco desaparece com aqueles que ali estavam e, após alguns infinitos minutos de rebeldia, encerra-se o ato. Aquele que iniciara como um lord, agora ergue-se de seu trono um pouco defumado, meio ensurdecido pelo excelentíssimo barulho que proporcionara a nós. Uma salva de palma interminável tentava demonstrar a gratidão dos todos presentes pelo grande show.

Na sequência, sem deixar que as lágrimas secassem, Hey Jude. Pronto, música bonita, todos cantando junto, mas de letra mesmo só uns dois minutos. Depois, já sabe, o famoso “nananana”. Aí deu nananana. Teve ao piano, solo, na bateria...uns sete minutos nanananando!!! Tanto nananana que eles fizeram um brake.

Voltaram rapidamente (tão rápido que tinha gente cantando nananana ainda!!!). Paul fardou-se com o baixo e, sem perder tempo, “puxou” Day Tripper. Fui à loucura!!! Revivi os tempos de moleque tentando tirar o riff no violão. Rock n’ roll da melhor qualidade! Lovely Rita. Fomos juntos e, sem perder a pegada, trouxe Get Back na sequência – get back, get back to where you once belonged-. Mais uma pausa. A goianada já deixava o estádio. Disse logo: “ Se não acenderem as luzes do palco, não acabou o show”. Muita gente saindo e estão voltam os artistas.

Paul trazia uma bandeira do Brasil a dançar pelo ar, acompanhada da bandeira da Inglaterra conduzida por outro membro da banda. Desfilaram por todo o palco. Desapareceram as bandeiras, surgiu o violão – Yesterday. A música mais tocada no mundo estava ali sendo dedilhada ao vivo. A perfeição era tamanha que pensávamos ouvir ali algo remixado. Sem trastejados, o som ecoava suavemente por entre nós, emocionando a todos que ali restavam. Não encontrávamos forma de agradecer, os sorrisos saltavam ao rosto, aplaudíamos incansavelmente. Alternando inglês e português, Paul agradeceu toda a produção do evento, sua banda e nós, os presentes! Disse que era “hora de vazar!”. Sentou-se ao piano pela última vez na noite e conduziu-nos a mais um momento de êxtase com uma sequencia impecável: Golden Slumbers, Carry that Weight e, para sacramentar,  The End. Foram quase três horas do melhor que alguém já produziu no mundo da música. Um evento épico, capaz de unir as mais variadas gerações, todos ao redor de um mito. A alegria de ter passado por tal experiência transbordava pelos poros, parar de saltitar e balbuciar as melodias uma missão impossível. O show estava terminando, a noite começando. O sonho? Bem, que esse dure eternamente, pois o que ali foi vivido, jamais será esquecido. Boa noite! (na na na nananana...)


sexta-feira, 3 de maio de 2013

Fechado para balanço



  É chegado o mês de maio e com ele a contagem regressiva para o grande dia. Agora não são mais meses, estamos falando de dias. E são poucos, muito poucos. Especificamente, serão 24 dias até o Ironman, mas de treino apenas 20. Para quem começou a treinar no dia 8 de abril, eis a marca medial de toda a preparação. Então, hora de avaliar o que foi feito até aqui.

  A metragem do Iron já é bem difundida, mas para massagear a memória retomemos aqui as marcas: 3,8 km natação, 180 km ciclismo, 42,195 km corrida. Ironicamente (pois fora minha grande preocupação em 2012) a natação acalma os ânimos na preparação. Sinal que, pelo menos, podemos começar bem o dia na ilha da magia. Agora pedalar 180 km e correr uma maratona? Nem no auge do meu otimismo conseguia visualizar tal feito até pouco tempo atrás. Estava a um ano sem treinar e, por serem medidas consideráveis, precisaria de muita rodagem e reza para vislumbrar alguma esperança de êxito na empreitada. Checagem geral na bike, hora de fazer o primeiro treino externo.

Dia 1

  Quando se fala de longão de ciclismo, há uma certeza: o dia começa cedo. Às 6 horas já estávamos rodando por Goiânia. O destino? O autódromo da cidade – único lugar praticável por aqui. O problema era chegar até lá, pois em meio a ruas esburacadas e ausência de acostamento (um metrinho magro, sujo e inclinado), ainda tinha que atentar aos motoristas perturbados que rodam pela região. Por muito evitei tal aventura, mas agora não poderia postergar mais. Já percorrido o perímetro urbano, iniciando o trecho de estrada, uma pancada em uma massa de asfalto e a primeira baixa: pneu furado. Na hora vieram as lembranças de quantas milhões de trocas já havia feito na vida, furos seqüenciais que ocorreram ao longo dos treinos e assim toda a euforia do momento deu lugar à realidade e aos percalços do ato.

  Estava perto de um posto e optei por retornar e encher no compressor para ter maior precisão. Troquei a câmara, enchi e surpresa: estava vazando. Retirei, coloquei outra câmara (a última que tinha comigo) e deu certo. Aproveitei o momento e remendei as outras, pois, caso viesse a furar novamente, seriam úteis. De novo na estrada, rumamos para o autódromo. Cerca de 15 minutos depois já estávamos lá dentro e, para minha surpresa, o pneu furou de novo. “Jura?”. Já me indignava com a situação: ali trocando câmara pela terceira vez no dia (e não eram nem 7 da manhã) e uma galera girando na pista. Ok, aceito. Câmara posta, cheia, roda encaixada, hora de girar, certo? Errado. Dois metros em cima da bike e o pneu murchou de novo. Ali tive a certeza que o primeiro dia seria para afinar o lado mecânico. Troca câmara, remenda as furadas e, após uma hora de uma dura batalha, consegui colocar a bike na pista. Voltava a sentir o vento no rosto com uma constância digna de ser denominada treino. Agora era somar voltas.

  A meta do ciclismo era simples: fazer 150 km antes do Iron. Em um percurso de 3 km! Lembro-me de fazer 12, 15 km em uma pista de 400 metros correndo e ali aprender a controlar a ansiedade, a pressa de acabar, a focar no objetivo, abstrair maus pensamentos... Agora o nível havia subido, o número de voltas também, e o tempo despendido então nem se fala: seriam quase 6 horas rodando! Duro.

  Mas não foi na primeira tentativa. Talvez por já ter perdido muito tempo com as trocas, somado ao meu despreparo físico e temperado com um pneu que parecia querer esvaziar a qualquer momento, pareceu mais sábio abortar o treino enquanto podia pedalar. Foram apenas 50 km rodados no dia e o sabor amargo do fracasso a marcar cada gole d’água ao longo do dia. Tentaríamos de novo e seria no dia seguinte.

  Dia 2

  Era noite quando o despertador tocou. Uma mistura de raiva e euforia não permitiram ao menos titubear ao primeiro sinal de despertar. Devidamente fardado e com a tralha de treino organizada, retornávamos para a estrada. Ciente das condições do asfalto até o destino final e calejado pelo dia anterior, um mantra surgiu à cabeça: “tire o peso”. Praticamente pedalava em pé, assim permitia uma melhor distribuição de carga entre as rodas e, caso atropelasse um maldito monte de asfalto, talvez não tivesse o pneu estourado (quem disse que não servi para nada os 4 anos de Física!!!). Atravessado o perímetro urbano, iniciamos o trecho de estrada, um cume de onde temos uma visão panorâmica do horizonte, quase como se pudéssemos ver o futuro. A alguns quilômetros dali repousava o autódromo, envolto em uma névoa aconchegante, quase como uma manta. Por trás dele o Sol já anunciava uma novo dia, uma nova chance. Sem grandes surpresas, fomos para a pista.

  Já havia alguns ciclistas treinando. Algumas bikes dignas de foto, verdadeiras máquinas. Outras mais simples. Muita gente ali praticando pelo hábito saudável, nada de pressão de treino ou coisa parecida. Acordam cedo e colocam a magrela para rodar por puro prazer. Outros tantos treinando forte, dia após dia, sob Sol ou chuva, sem pestanejar, por puro prazer!!! E no meio disso tudo, iniciamos mais um somatório de voltas.

  Por ter um percurso bem variado, a velocidade varia muito (principalmente se estiver fora de forma para escalar!!), mas permite que se faça uma média razoável. Tentando não forçar demais e buscando uma volta negativa, passei a controlar a empolgação. Sabia que não resolveríamos aquilo em uma volta e, se não tomasse cuidado, a coisa poderia ficar feia a qualquer momento. E assim fomos: uma hora, duas horas, 30, 60 km... e então, quando já passávamos dos 80 km, o segurança do autódromo deu por encerrada a sessão de treino. Iria começar o treinamento da moto velocidade. Com energia de sobra, mas sem muitas opções, voltamos pra casa, tentando alongar um pouco o percurso, mas com uma perda considerável de ritmo, pois rodar dentro da cidade é inviável. Fechamos o dia com 105 km e uma média de 27 km/h. Razoável, mas ainda faltava um tanto para os 150 km.

 Dia 3

 Uma semana se passou e estávamos de volta ao palco do ciclismo goiano!! Antes de chegar à pista, passamos pela área dos boxes e eis que os vejo ali, parados estáticos e imponentes. Verdadeiros monstros motorizados que, caso decidissem disputar território com as magrelas, fariam um estrago descomunal. Seria semana de Fórmula Truck e algumas máquinas já repousavam por ali. Entrei para treinar certo que deveria manter o sensor de alerta ligado. Sem surpresas.

  Treino fluindo normalmente, as voltas viam se somando bem, a perna estava mais solta e logo percebi que a média de velocidade estava aumentando. Começava a marcar 28 km/h. Se conseguisse manter esse ritmo no dia do Iron, fecharia o ciclismo em menos de 7 horas. Começava, enfim, a ter esperanças de acabar a ciclismo (leia-se bem – CICLISMO. A maratona após é ooooutro problema). Rodávamos sofrendo as mesmas variações de ritmo, sem muitas novidades quando, sem muita cerimônia, um dos brinquedinhos adormecidos resolve dar um role pela pista. Sai bem à minha frente, todo pomposo. Era tão grande que fez até sombra! Vi ali uma oportunidade única: andar na roda de um caminhão (andar na roda de bike é para os fracos!!!). Mas rapidamente digeri tal ideia, pois residia ali uma imensa probabilidade de conseguir me machucar feio!!. Ele voltou para os boxes, eu para o treino.

  Ao passar pela linha de chegada, ficou claro que não tinha nenhum guarda sinalizando para interrompermos o treino, o que preocupava mais ainda, pois estavam entrando na pista com todos os ciclistas ali. A essa altura o sensor já soava histericamente. Difícil relaxar com tanta pressão. Volta a volta uma espiadinha nos boxes para “sentir” o clima. E então, já no meio do circuito, um motor estridente urrava às minhas costas. Não era de caminhão, mas vinha com muita pressa. Sem pestanejar, joguei para o lado e tentei ver o que era. Um corsa pau velho sem noção vinha a todo vapor fazendo sua “voltinha” sem ao menos considerar os que ali estavam. Percebi que os ciclistas que ali ainda rodavam, já se arremessavam para fora da pista, tentando escapar da estupidez daquele indivíduo. Trilhei o mesmo caminho e, ao sairmos todos, chegou enfim o responsável por avisar-nos da interdição da pista. Um pouco tarde, já estava feito o trabalho.

  Mais uma vez expulso, novamente com 100 km rodados. Parecia impossível conseguir o tal 150 km. Vivia a utopia que o problema, ao menos, não era comigo. Apenas não me deixavam completar toda a distância. Um pouco de massagem para um ego assustadoramente fragilizado.

Dia 4

  O mês de maio estava em vigor e com ele todo o peso da proximidade do grande dia. Já não havia mais tempo para experiências ou inovações. Era hora de concluir o projeto, saber qual o patamar alcançado, fazer as projeções para o dia da prova e tentar manter foco, condicionamento físico e mental até o dia 26. Dia 2 de maio, para mim a última chance de tentar a marca. Era tudo ou nada.

  E como burlar a sorte e não ser expulso do autódromo? Simples, chegando mais cedo. Às 5:30 da manhã já dava início ao treino. Tudo muito escuro, com uma iluminação precária, o medo de enfiar a bike em algum buraco, desnível, tronco, sei lá, corria sob a pele. Conduzia-a na ponta dos dedos, tentava chegar à autoestrada ileso. Deu certo, mas lá a questão da iluminação piorou. E muito!!! Não enxergava nada, pois não havia um poste sequer funcionando. Agora era na reza até a porta do autódromo.

  Superados os primeiros obstáculos do dia, chegávamos ao local do treino. A noite ainda reinava, os portões cerrados, o frio da madrugada não deixava aqueles que ousaram enfrentá-lo esquecer o conforto de suas camas. O guarda ainda preparava seu café sob uma luz incandescente fraca, talvez a única fonte de calor ali presente. Anunciando estar aberto o portão, sem ao menos ousar colocar-se para fora da guarita, permitiu minha entrada. Era o primeiro do dia. Parecia que o tempo estava a meu favor.

  Rumei para pista e prontamente a contagem de voltas foi iniciada. Seria, literalmente, uma corrida contra o tempo. O Sol, como se tivesse aproveitado bem o feriado do dia seguinte, preguiçosamente resistia a surgir. Lentamente o horizonte ganhava seus tons alaranjados e a noite transformava-se em dia.

  Enquanto isso alguns ciclistas já chegavam para suas sessões matinais. Todos ali tinham seus compromissos, suas metas a cumprir e um dia a dar continuidade. Permanecia ali a observar toda a movimentação. Grupos sendo formados, alguns ainda pedalando sozinho, ritmos diferentes, e com essa espécie de rodízio, fazia correr as horas. O tempo passava agradável, suave, a quilometragem subindo a cada volta e a espera por um número no visor embalava todo aquele esforço: 150 km. Os primeiros que ali chegaram já não estavam mais, os pelotões que rodavam juntos desfizeram-se com o passar das horas. A pista ia ficando mais vazia, o Sol já castigava quem permanecia naquele descampado, mas a quilometragem continuava subindo e isso bastava para continuarmos.

  A marca de 100 km veio abaixo. Com os suprimentos escassos, a coisa parecia querer apertar, mas ainda era confortável. Vieram os 120 km e a vontade de parar foi grande. Com os 20 km de ida e volta, já teria 140 km, estaria bom por demais, não? Não! A meta era 150 km e só pararia de pedalar quando o ciclo marcasse tal número. A essa altura já era difícil imprimir um ritmo mais forte. As descidas feitas a 42 km/h agora beiravam 35, as subidas nem merecem comentários. Ainda assim conseguia manter uma média de 28.5 km/h, uma boa marca.

  E assim, já totalmente sozinho (novamente) naquele deserto, conseguia fechar 132 km rodados dentro do percurso (divida por 3 e terão a quantidade de voltas!!). Apaguei as luzes do salão, fechei a porta e parti para estrada! Tinha meus últimos 10 km para bater a meta. E claro que, como uma sina, a volta tem uma subida extremamente íngreme, violenta, daquelas que se tem vontade de descer da bike e empurrá-la até o topo (eternizando a subida da Ambev!). Não teve jeito: volantinho na bike, giro alto e movimento quase inercial. Vencido o morro, agora era só alegria. Acabamos o trecho urbano (extremamente esburacado, cheio de trepidações... um lixo), fechando em 151.51 km de treino, 5:37 de tempo total, encostamos a bike em casa e, sem tempo para desfrutar de todo o desgaste adquirido, calçamos o tênis e partimos para os 30 minutos de corrida. Sim, nunca acaba no ciclismo! Agora era cuidar da corrida, mas isso já é outra historia. Por hora apenas deliciar-me com a possibilidade de completar o percurso de 180 km no dia 26 de maio.