segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

O Primeiro Ato



   Copa Interior de Triathlon. A primeira etapa a se realizar em Piracicaba, no formato short da modalidade (750m/20km/5km). Em uma conversa com o Marcinho (meu técnico), surgiu a pergunta: "Vai fazer?". Por ser muito curta, parecia não fazer muito sentido investir no evento poucos meses antes do Iron e disse que não. Ele, como se houvesse ensaiado tais palavras, em uma fração assustadora de segundos, veio com a proposta: " Eu te deixo no meio do caminho e você vai pedalando os últimos 50 km antes da prova". Pronto, algo tido como "pequeno" começa a ganhar tamanho. Não teve jeito, fiz a inscrição.

     Acertamos os últimos detalhes da viagem: sairíamos por volta de 5 horas da manhã e eu seria "despejado" 50 km antes do destino. Faria um percurso no escuro, mas logo estaria amanhecendo, certo? Errado! Seria verdade se tivéssemos saído na quarta ou quinta-feira anterior à prova, não no domingo. Sábado, após um longo período de estiagem e muuuito calor. choveu em Campinas. Choveu tanto que eu até desconsiderei o evento de domingo. Tinha certo que, com aquela chuva, não desceria do carro nem a base de pancada. Domingo, de madrugada e ainda sob chuva? Nunca! Passei boa parte do dia totalmente distante do assunto.

     Mas o dia se foi e, com ele, a chuva. O tempo parecia estar mais firme, o que me fez lembrar que estava apoucas horas de irmos para Piracicaba. Hora dos últimos ajustes. Montar a mochila, conferir todos os itens de prova, equipamentos, roupas pré, durante e pós competição, toalhas, suplementação alimentação e, por fim, a bike. E foi aí, bem no final, que a situação se complicou. Testando a bicicleta no rolo de treino, descobri que meu passador dianteiro estava desregulado e, com isso, não conseguia usar a coroa maior. Isso me obrigaria a fazer toda a prova, e o trecho de estrada, em coroa menor, como se estivesse passeando no parque. Seria impossível desenvolver um bom pedal. Comecei a suar frio, sem saber o que fazer. "E agora?". Hora de aprender eu mesmo a consertá-la.

     Pesquisa rápida na internet, alguns posts, vídeos de mecânicos da Shimano e já acreditava, ao menos, onde estava o defeito. Mas era como ter que desarmar uma bomba: "cortar o verde ou o vermelho?". Talvez conseguisse sim solucionar o problemas, mas, se cortasse o fio errado, inviabilizasse a bike para o dia da prova. Putz, respirei fundo e comecei a mexer. Solta um parafuso aqui, aperta um ali, puxa um cabo e pronto, estava feito. Já passava de meia noite, suando às bicas e com apenas quatro horas de sono pela frente, enfim consegui relaxar. Parecia que daria tudo certo no dia seguinte.

      Com quinze minutos de atraso (culpa do relógio que preferiu não acordá-lo numa manhã tão agradável para se dormir!), Marcinho passou em casa. Ainda tínhamos um tempo hábil e, por isso, ele tivera mais uma grande idéia: mudaria a rota e me deixaria no novo trecho da Rodovia Bandeirantes para conhecer a pista (local de futuros treinos) e de lá seguiria para Pira. Asfalto novo, um "tapete" para pedalar? Parecia lindo! Mas então erramos a entrada para a rodovia. Começava ali o domingo!

     Gastamos uns 20 minutos para conseguir, enfim, nos direcionarmos. Entramos na pista, passamos o pedágio e encostamos o carro. Descemos a bike, montamos, últimos ajustes, informações técnicas, itens de sobrevivência checados, ele partiu e eu fiquei. Comecei o pedal e, antes do primeiro quilômetro rodado, começou a garoar. Pelo amor, não havia caído uma gota desde às 4:30 da manhã. Parecia que estavam segurando, apenas aguardando que saísse do carro. Sem muitas opções segui meu caminho. Com a pista realmente maravilhosa para se pedalar e a bike funcionando bem, rapidamente acessei a Rodovia Luiz de Queiroz, trecho final antes da prova. Agora além de uma leve garoa, ainda tinha um acostamento terrível e sujo para me acompanhar. Não contente, logo à frente, descobri que meu passador voltará a dar problemas e que não teria a coroa grande até fim da viagem. Tentei apertar o ritmo, pois tentaria sanar o problema antes da prova, mas estava ficando sem tempo.

     Acabei por chegar às 8 horas no local da prova. A equipe já estava reunida, cheia de sorrisos maliciosos mediante meu aquecimento. O Marcinho já começou a numerar a bike enquanto em ajustava o passador. Restando 15 minutos para o fechamento, entrei na zona de transição para guardar meu equipamento. Feito isso, tomei um lanche e fomos para a largada.

     Dentro de uma lagoa, com uma água de qualidade duvidosa, partimos ao toque da corneta! Natação tranquila, auxiliado pela roupa de neoprene, rapidamente saímos da água e partimos pro ciclismo. A bike, recém reajustada, estava apenas na coroa grande. Fiz a primeira volta inteira sem diminuir, mas vi que seria impossível correr se completasse as três seguintes forçando tanto. Resolvi arriscar e diminuir a coroa. Não funcionava. Pronto, agora, além de não subir, não descia. De repente estava pedalando uma barra forte! Tentei detectar o que impedia o passador de descer e vi que esquecera minhas espátulas presas nele. Encostei a bike, retirei-as e parti. Feita a troca, as subidas se tornaram mais prazerosas, mas perdia na descida. Mas antes que completássemos a segunda volta, começou a chover. Com o asfalto bastante escorregadio, optei pela cautela, segurei o pedal e decidi concluir sem tombos.

     Mas nem todos pensaram da mesma forma. Alguns competidores estavam muito confiantes (ou insanos). Desciam em uma velocidade assustadora, passavam por lombadas como se não existissem e, se jogavam nas curvas como se não houvesse chovido. Pouco antes de uma curva fechada à esquerda, reduzi para virar e um competidor me ultrapassou. Deve ter sido para que eu assistisse de camarote, pois o ato seguinte foi a mais pura demonstração do que é "sair pela tangente". Ele passou direto, se esfolando pelo chão, bem embaixo da minha roda. Freei para não machucá-lo e ouvi outro grito. Um "ai" crescia atrás de mim e, junto dele, o barulho de metal se chocando com o chão. Senti a pancada na roda traseira. Nem olhei para trás. Me equilibrei e segui meu caminho. Últimos quilômetros, transição novamente, hora da diversão.

     Calcei o tênis e saí para corrida. Mesmo querendo soltar a perna, segurei o ritmo e, de forma bem conservadora, fui progredindo. Já conhecia o percurso, sabia da existência de uma ladeira loga à frente e, por isso, não queria me desgastar antes. Mas antes mesmo de encará-la, outro problema surgiu. Por estar sem meia, acabei ferindo um dos dedos e isso produzia um ardor insuportável. Tentava achar uma pisada que neutralizasse aquela sensação, mas cada tentativa, um erro. Ocupado em resolver tal imprevisto, passei pela subida, fiz o retorno e, administrando a dor, tentei segurar o ritmo até o fim. Já avistando o pórtico de chegada, não me dei ao trabalho de sprint final. Queria apenas terminar e tirar aquele tênis maldito.

     Fim! Ficamos esperando os outros membros da equipe chegarem e fomos retirar o equipamento na zona de transição. Mais chuva. Dessa vez um pouco mais forte. Em uma fila que parecia não andar, ficamos todos ali, de braços cruzados, com frio, mas sem ter o que fazer. Feito a retirada, e com uma trégua da chuva, roupa seca e limpa, fomos conferir o resultado. Não houve pódio para a equipe. Os melhores ficaram em sexto nas respectivas categorias. Com 1:18, fiquei em 12º da minha. Não foi grande coisa, mas, sabendo de todos os percalços, até que foi um bom negócio. Serviu para começarmos o ano de forma definitiva, sendo colocado à prova. O primeiro de muitos atos nessa que promete ser uma verdadeira odisseia.

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