quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Skyrunning



     A idéia parece simples: subir o sexto maior prédio da cidade de São Paulo pelas escadas. Parece até brincadeira de criança. Quem não costumava brincar pelos degraus enquanto ainda dispunha de vitalidade, sem ainda ter sido corrompido pelo elevador e o "easy way of life"? Pois bem, a brincadeira virou competição, com direito a Federação Internacional e Circuito Mundial. E o Brasil, pela segunda vez, sediaria uma etapa. O prédio? Editora Abril na marginal Pinheiros. Andares? 24 para os mortais e 30 para a elite. A prova? Dia 25/01/2012. Inscrição aceita, sem preparação específica, lá fomos nós!

     E São Paulo amanheceu com um céu azul, banhado por um típico Sol de verão. Prometia comemorar seu aniversário com muito calor. O início da prova estava marcado para 10 horas, mas a retirada do kit era até meia hora antes. Largada da bateria marcada para 10:40. Tudo ilusão. Já na chegada uma pequena fila para o kit, pessoas ainda chegando, 10 horas também, e nada de começarmos. O Alê (Alexandre Oliveira, Sportv) estava por lá cobrindo o evento e aproveitamos para conversar um pouco sobre o Ironman, treinos, perrengues e tudo o mais que está por vir até maio. Ele, que também ia subir, fez sua última cobertura em chão e partiu para a largada. Ainda me restava 8 baterias que, pela média, renderiam uma hora cheia.

     Alonga, aquece, vai ao banheiro uma, duas, três, xixi que não acaba mais. Tomado pela ansiedade, andando de um lado para o outro, não conseguia ficar mais de 15 minutos sem ir ao banheiro. Terrível! Mas enfim a chamada para a décima oitava bateria. Já era quase meio dia, o Sol castigava aqueles que resistiam bravamente no descampado. Instruções finais, estratégia traçada, um pedido da organização para não acelerarmos na largada e pronto, tocaram a buzina. Partimos rumo aos 469 degraus.

     Como que se hipnotizado pelas palavras do organizador, segurei minha corrida e deixei que todos os outros 9 partissem à frente. Sabia que funcionaria melhor correndo atrás dos calcanhares deles do que sentindo alguém se aproximando de mim. Comecei os primeiros lances apenas na pernada, sem o uso do corrimão. De dois em dois degraus progredia fortemente. Porém, após quatro andares e uma ultrapassagem, percebi que não chegaria muito longe saltando tanto. O coração já margeava a boca, como que se quisesse ver o que se passava lá fora. Passei a um degrau por vez, mas antes de completar 10 abortei, pois naquele ritmo não chegaria nunca! Veio então a grande sacada: remar! Braço esquerdo no corrimão, os pés fincados a cada dois degraus e puxava o  corpo para cima. Pronto, descobrira a fórmula do sucesso.

     Sem tomar conhecimento comecei a escalar o edifício. Inútil o aviso para que os mais lentos tomassem a direita, pois era um corredor eterno tal parte da escada. Não me preocupei em pedir licença. Do jeito que chegava no próximo competidor, já me agarrava à direita e projetava acima, às vezes fazendo lances de três degraus para deixar claro que ali não teria volta. Três, quatro, sete. Adotando um ritmo alucinante, um a um era deixado para trás.

     Em meio a tanta adrenalina não conseguia definir o que era pior: ver os degraus passando em duplas sobre mim ou observar a progressão dos andares, que pareciam estar em câmera lenta, quase que se deliciando da desgraça alheia. Foi então que vi o vigésimo andar e, com uma conta rápida (o que me pareceu um bom sinal àquela altura), visualizei o fim. Apertei o passo e, sem pensar muito, percorri os últimos quatro andares, última curva e, enfim, o pórtico de chegada. Com 3 minutos e 38 segundos tinha sido o terceiro da minha bateria.

     Aqueles que chegaram antes de mim já se encontravam estirados ao chão, como que se houvessem sido abatidos. Preferi me manter em movimento desacelerar. Meu coração curioso havia se pendurado em minha úvula. Se fez necessário alguns copos d'água para tentar recolocá-lo em seu devido lugar. O peito ardia de uma forte absurda. Cedi ao cansaço e me sentei, observando a chegada daqueles que haviam ficado para trás.

     Após cinco minutos de repouso, fomos retirados pela organização e descemos de elevador até a área de premiação. Pegamos a medalha e esperamos os tempos finais enquanto as demais categorias davam continuidade ao evento. Chegada a tão esperada folha e, para minha surpresa e decepção, tinha ficado em 7º lugar. Apenas 12 segundos me separaram do pódio. Onde estavam tais segundos? Simples: a grande maioria na minha largada conservadora. Se tivesse sprintado para os degraus e remado desde o começo, faria um melhor tempo. Sem problemas. Meu tempo me credenciou para competir com a elite na próxima, correr até o trigésimo, largar sozinho e fazer uma prova limpa.

     Dores? Nenhuma. O físico vai bem, obrigado. A especificidade da prova causou sim um certo desconforto, mas nada que não passe nos próximos dias. Agora é esperar um ano todo para tentar melhorar a marca. Enquanto isso, boicote aos elevadores e muita pernada pelas escadas que por ventura cruzarem o caminho. E que venha a próxima Corrida Vertical.




quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Néctar dos Deuses



     Cresci achando que Kibon era o melhor sorvete do mundo. Durante muitos anos me deliciei entre os Tablitos, Eskibons, o sorvete de passas ao rum... mas nada melhor que o tempo para nos ensinar! Já na casa dos 25 anos me foi apresentado aquele que, já na primeira prova, tomaria conta dos meus sentidos e da minha memória. Em uma pequena sorveteria do interior paulista, sob um Sol de 40º, foi onde tudo começou.

     Contrastando um branco nata, detentor de uma pureza única, com um vermelho bordô extremamente carregado, ele se fazia notar em meio a tantos outros ali presentes. Era inevitável não perguntar seu sabor. E antes de responder tal pergunta, já era servido com uma pequena prova. Pronto, já não tinha mais volta. Como se dançasse sobre a superfície de minha língua, aquela pequena quantidade de sorvete ia brincando com minhas papilas gustativas, me fazendo experimentar alternâncias de sabores. O doce e o azedo se confundiam e, ao mesmo tempo, marcavam suas notas. Não havia palavras para descrevê-lo. Bastava-me pedir uma bela porção do mesmo e me deliciar.

     Mas como um amor de verão, nosso encontro ocorrera em uma cidade distante. Não poderia tê-lo sempre. Deveria conviver com as memórias, com a saudade. Vez em quando viaja para tomar mais um pouco. Ficava ali, no banco da praça, aproveitando cada momento como se fosse o último. Parecia que conseguíamos parar o tempo. Bons momentos...

    Os anos se passaram, as visitas foram reduzidas, e, mesmo sabendo que havia encontrado o que há de melhor, já não dava tanta importância. Sempre que passava por lá, tomava um pouco, mas não almejava com afinco o retorno. Havia deixado cair na mesmice, mesmo sendo único, era apenas mais um. Isso fez que nos afastássemos cada vez mais e, quando me dei conta, já era tarde.

     Hoje rodo por aí experimentando novos sabores, realmente deliciosos, especiais à sua maneira, mas não é a mesma coisa. Hoje não tenho mais contato, não sei seu paradeiro, nada. Será que ainda está lá, em frente à praça, em destaque, cercado de tantos outros potes como seu fosse uma Majestade, com súditos ao redor? Não sei. Ainda tenho aquele sabor guardado na memória. Com certeza não há igual. Será que nos afastamos para sempre ou é apenas uma armadilha do destino? Ainda volto a te encontrar. Oh sorvete de amarena, faz-me falta...

      
      

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Plano de Metas


     A pergunta era simples: "Quais são seus objetivos para 2012?". A resposta teve que ser um pouco mais pensada, pois não bastava apontar o fim. Era necessário traçar o caminho, contabilizar todas as dificuldades que estão à espreita, esperando o momento certo de se mostrarem e, principalmente, de onde itrar motivação para encarar tudo isso sem que o corpo, ou a mente, desista antes da hora.

     Pois bem, os desafios impostos ao longo da jornada se fazem necessários para manter o foco. Fracionar o todo em pequenas metas parece ser o segredo de uma preparação. Se torna difícil manter o espírito na mesma "pegada" quando se faz uma preparação anual sem algumas metas a serem cumpridas durante tal período. Por isso o desejo de ter algumas barreiras a serem transpostas enquanto rumamos à maio.

     Psoto isto, minha primeira planilha de 2012 foi planejada. Sim, até tinha um volume considerável, parecia que voltávamos bem para o novo ano. Mas lendo os comentários finais, percebi que ali tínhamos recebido uma proposta: " cumprir toda aplanilha à risca". "Como assim, não é isso que venho fazendo em quase todas as semanas dos últimos cinco meses?". Uma mistura de irritação e decepção assediou minha mente. Mas levei pelo lado positivo e me vi diante de uma tarefa fácil, comum, mas que, quando a tivesse cumprido, me sentiria melhor que no cumprumento das demais pelo simpes fato de ter sido colocado à prova.

     Primeiro dia, musculação e natação. Academia de manhã, agora era só partir para piscina no fim da tarde e rodar 1900 metros. Já comemorava meu primeiro "gol" dos sete que planejava para semana quando cheguei ao SESC. Porém, bastou checar meu local de treino e, como se todo aquele meu sorriso fosse uma máscara e acabasse de receber um belo golpe e cair em pedaços, vi minha euforia (precipitada!) ir, literalmente, por água abaixo. Tinha-se quase cam pessoas fazendo aula de hidroginástica e, na única raia livre, umas cinco batiam braços e pernas, algo parecido  com um nado. Que fim prematura... já sairia em desvantagem no primeiro dia. Fui com muita sede ao pote? Talvez.

     Me dirigi ao vestiário, me troquei, fui até a borda da piscina e ali parei. Por uns 5 minutos fiquei a encarar aquela água turbulenta, fruto dos movimentos ressonântes de todos aqueles que ali se encontravam. Não conseguia me ver nem parado dentro daquele lugar, o que dirá nadando. Como um lutador que, na disputa de um título, se vê dominado por um belo golpe e, quase por desfalecer, decidi desistir e bate três vezes no chão, fui obrigado a desistir. Retomei meus trajes mundanos e parti para casa frustrado. "Como compensar tal falta?". A pergunta pairava pela cabeça.

     Quinta-feira, ciclismo e corrida conjugados, com início previsto para 18 horas. Assim seria possível treinar e estudar antes de dormir. Rolo pronto, bike montada, pedal iniciado e, com ele, um barulho irritante. O rolo rangia de forma ensurdecedora e seria impossível passar uma hora assim. Hora de descer da bike, demontar o rolo e limpá-lo antes de continuar. Outra sabotagem? Estava claro que cumprir a planilha se tornara um desafio e estava no nível very hard de jogabilidade!

     Acabando perto de 21:30 horas, ainda cogitava nadar às 7 horas da manhã. "Será que teria menos gente?". Talvez, mas não chegaria no trabalho à tempo. Além disse, estava muuuito cansado e, com apenas 10 horas de descanso, não renderia tanto. Treino de natação passado para o período noturno. O problema é que sexta, é realmente dia de natação, ou seja, ficarei com um treino de água por fazer. Segunda o SESC não abre e terça é água de novo. "E agora, pagar no final de semana?". Tomando como experiência minha quarta-feira, não gosto nem de imaginar a quantidade de pessoas que deve frequentar aquela piscina em um sábado ensolarado. é, ficou difícil.

     Agora é entrar no final de semana, cumprir os treinos longos previstos e tentar arranjar um solução para meu problema. Estamos correndo contra o tempo, tentando compensar o tempo perdido anteriormente, buscando equiparar teoria e prática, o que foi proposto na planilha e o que realmente foi feito. Caso contrário serei obrigado a aceitar que até os desafios mais simples são capazes de te pregarem peças e inviabilizarem seus planos de conclusão. Enfim, temos até terça. Tempo de sobra. Agora é colocar a sorte em cheque.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Lavando a alma



     Acabou! Encerrada a contagem regressiva iniciada lá atrás, com 365 dias, onde cada um faz seu próprio controle e nos segundos finais, como se todos convergissem para o mesmo objetivo, os segundos finais são televisionados, todos contam juntos e, após zerar-se o cronômetro, quando o último grão de areia cai, uma queima de fogos reinicia a contagem.

     E 2011 foi um ano cheio de altos e baixos. Começou comigo flertando com o triathlon. Era apenas uma paquera, coisa pequena, mas foi ficando sério e, por fim, assumimos o relacionamento. Dedicação máxima aos treinos. No tempo que restava, eu trabalhava, comia e dormia. Assim fomos ao longo do ano.

     Mas nem só de bons momentos fez-se o ano. O segundo semestre foi "punk". Anseio por férias, planos não se consolidando, muita coisa acontecendo ao mesmo tempo... Não teve jeito. Como se assolado por um terremoto, o chão se abriu e aquilo que parecia firme, sólido, se partiu e sucumbiu ao momento. E, como após toda catástrofe, não adianta ficar choramingando pelos cantos. Levanta-se a cabeça e reconstrói-se tudo de novo, do zero, tijolo por tijolo.

    O problema é o peso de tal fardo. Não tem como, deixa marcas. E aí, em um ato desesperado, você clama para que seu cronômetro acelere um pouco, que a contagem seja mais rápida, que o ano acabe logo, pois, simbolicamente: Ano Novo, vida nova. Ir para praia, tomar um banho de mar, tirar as impurezas, mal pensamentos, tudo de ruim que possa estar acumulado. Não dessa vez.

     Acertado o Reveillon para a cidade de São Paulo, relevei meu preconceito com a prova e decidir correr (novamente) a São Silvestre. Por mais lotada que fosse, parecia uma forma interessante de colocar um ponto final em 2011. Estaria fazendo o que me mantém são: correndo! Sozinho e sem inscrição, parti para Paulista.

     Sem muita surpresa, ao subir a escadaria do metrô e entrar na Avenida, o mar de gente já estava formado. Mas, com uma proposta diferente dessa vez, sentia-me bem ali. Olhei para cima e, após um dia inteiro de chuva, a água não caía mais, mas as nuvens ainda permaneciam encobrindo todo o céu da cidade. Já pronto para largar, e em um sincronismo perfeito, o locutor deu início à prova junto com os primeiros pingos de chuva. A massa se deslocou como um bloco único. Ali não se tem muita opção. Se você quiser fazer tempo, treine mais e consiga uma vaga no pelotão da elite. Se cair na muvuca, esqueça!

      E assim fomos. A medida que a quilometragem aumentava, o volume pluviométrico também. Água e pessoas se confundiam rumo ao Pacaembu. Olhando de baixo, parecia uma enxurrada de gente. Sem espaço entre as cabeças, rumamos para o centro velho. Avenida Ipiranga, São João, Viaduto do Chá... A essa altura já chovia bem forte e, sem distinguir suor e gotas d'água, parecia ficar mais leve a cada passada, como se meus pesos estivessem se diluindo em meio àquele temporal.

     Bem a tempo, pois logo chegamos na respeitável Av. Brigadeiro, uma subida que tende ao infinito e que leva o atleta ao desgaste máximo em sua travessia. Não ali, nem naquela hora. Sem poupar muito, ritmo mantido e, pouco a pouco, fomos subindo e, como em uma miragem, viu-se a Paulista logo à frente. Agora era uma descida monstruosa e já estaríamos no Ibirapuera (ponto de chegada).

    Pareceu que até a chuva estava se poupando na subida, pois, ao começarmos a descida, não se enxergava quase nada adiante. Era muita água caindo, pernas cansadas, ladeira exigindo e a dúvida: tentar segurar o corpo e correr o risco de cair ou deixar descer solto e correr o risco de cair? Em, na dúvida, o que gastar menos tempo. Freio de mão solto ao longo de quase 2 quilômetros de descida. Esquerda, direita, esquerda de novo e pronto, metros finais.

     À direita a árvore de Natal do parque ainda imperava soberana, sem se deixar abater pela chuva, apenas nos observando. No chão a água já passava a linha do tornozelo. O pórtico de chegada se perdia em meio a um dilúvio. Lutando contra as corredeiras, já sem saber onde pisava, apertamos o ritmo e cruzamos a linha de chegada. 

     Não passava nada na cabeça. Sentia apenas que estava renovado. Acabara de ter uma hora e quatorze minutos de um delicioso banho de chuva, tempo e água suficiente para limpar a casa, remover as marcas e preparar o ambiente para o novo ano. Não foi a tradicional banho de mar, mas com certeza serviu para lavar a alma. Faxina feita, que venha 2012. Feliz Ano Novo!